Migrantes e Refugiados: um convite para o exercício do amor e da empatia | Paulus Editora

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Igreja e Sociedade

27/09/2023

Migrantes e Refugiados: um convite para o exercício do amor e da empatia

Por Cleane Santos

Celebrado no último domingo do mês de setembro, o 109º Dia Mundial do Migrante e Refugiado convida os cristãos do mundo inteiro a refletirem sobre a situação das diversas famílias que vivem a dura realidade da migração e refúgio. Esta iniciativa reflexiva é proposta pela Igreja desde 1914 e tem por objetivo promover uma reflexão acerca do tema.

A cada ano, o papa Francisco dirige uma mensagem para toda a Igreja para recordar a missão de cada cristão, seja no acolhimento, na solidariedade, na convivência, na partilha, empatia ou na simples prática do amor que abraça e vence qualquer tipo de exclusão, preconceito, ódio, indiferença e tantas outras atitudes que tornam realidades humanas ainda mais difíceis.

Neste ano, a mensagem do papa tem como tema: “Livres de escolher se migrar ou ficar”. Na carta dirigida ao povo de Deus, o Pontífice orienta os fiéis a rezarem por essa triste realidade migratória internacional que atinge milhares de famílias e, sobretudo, a pensar sobre a garantia de liberdade que se tornou uma preocupação pastoral difusa e partilhada.

No documento, o Santo Padre, relata que os fluxos migratórios são expressão de um fenômeno complexo e articulado, cuja compreensão dessa realidade exige uma análise cuidadosa de todos os aspetos que caracterizam as diferentes etapas da experiência migratória, desde a partida até à chegada, incluindo um possível regresso. Francisco recorda algumas passagens bíblicas e acontecimentos que marcaram a trajetória do povo de Israel que também viveu a triste realidade da migração e a permanência em terras estrangeiras.

Segundo Francisco, o ato de migrar deveria ser sempre uma escolha livre, mas atualmente, em muitos casos não o é. “Conflitos, desastres naturais ou, simplesmente, a impossibilidade de levar uma vida digna e próspera na própria terra natal obrigam milhões de pessoas a partir”, sinaliza o papa.

O Pontífice lembra que os migrantes fogem por causa da pobreza, do medo, do desespero. Francisco orienta que para eliminar estas causas e assim acabar com as migrações forçadas, é necessário o empenho comum de todos.  “Cada qual segundo as próprias responsabilidades e empenho, que começa por nos perguntarmos o que podemos fazer, mas também o que devemos deixar de fazer. Devemos prodigalizar-nos para deter a corrida armamentista, o colonialismo econômico, a pilhagem dos recursos alheios e a devastação da nossa casa comum”, afirma.

Segundo dados da Agência da ONU para Refugiados (Acnur), cerca de 108,4 milhões de pessoas em todo o mundo foram forçadas a deixar suas casas. Entre elas estão 35,3 milhões de refugiados. Além de 4,4 milhões de apátridas, pessoas a quem foi negada a nacionalidade e que não têm acesso a direitos básicos como educação, saúde, emprego e liberdade de movimento. Ainda segundo dados divulgados na última edição do relatório “Refúgio em Números”, apenas em 2022, no Brasil, foram feitas 50.355 solicitações da condição de refugiado, provenientes de 139 países. As principais nacionalidades solicitantes em 2022 foram venezuelanas (67%), cubanas (10,9%) e angolanas (6,8%).

Nesse processo migratório e de legitimação pelo mundo afora, muitos homens, mulheres e crianças acabando morrendo sem chegar ao seu destino final, muitos levam consigo, o sonho de ter um lar, o sentimento de pertencer a um povo ou nação, ou simplesmente o desejo de um punhado de terra onde é possível viver com o mínimo de dignidade, sem medo, sem fome, sem guerra e outras catástrofes originárias da ganância humana. 

A Palavra de Deus orienta: “Se alguém migrar até vocês, e na terra de vocês estiver como migrante, não os oprimam. O migrante será para vocês um concidadão. Você o amará como a si mesmo, porque vocês migrantes na terra do Egito. Eu sou Javé, o Deus de vocês” (Levítico 19,34-35). Os textos bíblicos dirigidos à comunidade de Efésios também ressaltam que todos são salvos pela graça de Jesus Cristo e que o próprio Deus não faz distinção de pessoas. “Portanto, vocês dessa forma já não são estrangeiros e forasteiros, mas concidadãos dos santos e membros da família de Deus” (Efésios 2,19).

Gestos concretos de amor e empatia

Para Dílvia Ludvichak, autora da obra “Travessias”, publicação indicada pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ), como livro “Altamente Recomendável”, na categoria criança-2023, é de extrema urgência refletir sobre a temática dos Migrantes e Refugiados na conjuntura atual da sociedade.

Somos todos sabedores da situação dos refugiados no Brasil e no mundo. Em menor ou maior escala, mas todos nós acompanhamos esta triste realidade, e os impactos que essa mudança tem trazido para a humanidade. Todos os dias, milhares de pessoas deixam suas casas e suas vidas, em busca de uma vida melhor, não mais promissora e cômoda, apenas mais digna. Se esta realidade em nada nos comove, então há algo de muito errado”, afirma.

No olhar triste dessas pessoas, em cada membro que compõem as famílias migrantes e refugiadas, existe um ser humano que, de alguma forma, diz ao mundo que algo não vai bem. “Ninguém deixa a sua casa, sua história e suas pessoas, pela obstinação de conhecer outros lugares, submetendo-se a todo tipo de violência, de miséria e de desigualdade. Tem um ou mais motivos que as lançou pelo mundo, de forma compulsória. Tratar desta ferida que pode ser resultante de guerras, de divergências políticas, de precárias condições humanas e outras mais, não é escolha”, relata.

Segundo a autora, estas vozes clamam por serem ouvidas e as crianças calçarão suas vidas, sobre esta experiência, em “terras novas”. Muito da forma de ver o mundo, e de ajudar a transformá-lo, dependerá da compreensão e da solidariedade que estas receberão, hoje”, enfatizou. 

Nessas famílias, é perceptível a imagem das crianças que acompanham seus pais com inocência e confiança. Por outro lado, no encontro entre as diferenças, existem outras crianças que diferentes dos adultos são mais receptíveis ao novo, começando pelo ambiente escolar. “Acredito nas crianças, e na sua capacidade de aprender, livres ainda dos conceitos estabelecidos. E no frescor de seus sentimentos e pensamentos, ainda em construção. Ainda que o ambiente familiar nem sempre favoreça para o cuidado destas qualidades, a escola pode fazê-lo, e os livros são sem sombra de dúvidas, uma ferramenta forte e sensível para ajudar neste processo”, ressalta.

 Para Dílvia, é possível sermos mais receptíveis a esta realidade, cada um, desde o lugar que ocupa, precisa romper com o medo de acolher as pessoas refugiadas, que estão por todo lugar. Para ela, isso não é algo que acontecerá de forma mágica, sendo preciso, antes, passar pelo processo de acolhimento do diferente dentro de casa, no bairro, no trabalho, nas nossas relações. 

“Há tantas formas de “não se sentir em casa”, às vezes ignoradas por nós, ainda que acontecendo do nosso lado. Causas grandes podem nos sensibilizar eventualmente e ocasionalmente, mas as pequenas são as que possuem força de transformação”, diz a autora.  

Em suma, somos convidados e instigados a pensar o tema numa perspectiva mais promissora e com o olhar de empatia e solidariedade, conforme os ensinamentos de Jesus que, por diversas vezes, acolheu e amou o órfão, a viúva e o estrangeiro sem distinções e preconceitos.

 

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