Chegou a vez do pós-digital | Paulus Editora

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Tecnologia e Pastoral

05/09/2022

Chegou a vez do pós-digital

Por Ednoel Amorim

Na história da humanidade é normal vivermos mudanças. Algumas vezes são mudanças que ocorrem sutilmente e promovem adaptações em nosso jeito de conduzir a vida e os costumes. Em outras, as mudanças são tão profundas que se configuram como verdadeiras mudanças de época. Não obstante a isso algumas coisas sempre voltam, reestruturadas e adaptadas ao tempo, é verdade, mas sempre estamos indo avante respaldados por tudo aquilo que já construímos, remodelando o que precisa ser remodelado e deixando de lado o que precisa ser deixado.

Até pouco tempo se pensava que a corrida do digital, sempre mais rápida, era um caminho sem volta, porém estamos descobrindo que o jato da tecnologia digital por mais alto que suba, chega um momento que precisa retornar a base para abastecer-se de algo que deixou na terra. Hoje, tecnologias podem sobreviver sem os combustíveis fósseis, finitos. Elas podem se alimentar de energia elétrica, solar e outras formas renováveis, mas energia se recarrega, até mesmo a luz solar há momentos que experimenta a força da noite, momento de descanso, reflexão, criatividade.

Enquanto caminhávamos à luz do dia, pensávamos que poderíamos chegar aos nossos objetivos sem retornar e sem necessidade de paradas; no entanto, somos humanos e não máquinas. Sempre nos esquecemos de algo e mesmo que o retorno pareça um retrocesso é apenas um replanejamento do percurso. Nessas estradas, passagens e paradas podemos recuperar aquilo que esquecemos e ainda dar oportunidade para que outros viagem conosco experimentando os benefícios que a tecnologia nos oferece. Isso para dizer que existe uma diferença entre o digital e o digitalizado.

Quando falamos de catequese, educação, pastoral e outras dimensões da vida eclesial que queiramos considerar, devemos ter presente essa diferença. Não é possível imaginar uma vida totalmente digital, pois como bem lembrou o Papa Francisco em sua mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais de 2021: “Nada substitui o ver pessoalmente”. Por isso, a metade do século XXI, a qual nos aproximamos, tem tudo para ser o momento do pós-digital, um tempo onde seremos capazes de conviver com a tecnologia sem a ilusão de que tudo será digital. Um tempo onde continuaremos com as nossas práticas de antes, mas agora amparadas pela força da renovação tecnológica. Para citar um exemplo, pensemos na catequese, porém isso pode ser aplicado a tantas outras situações.

Antes tínhamos uma catequese realizada como imitação da escola, depois de superada, passamos a dimensão do encontro mesclando fé e vida até chegarmos aos modernos métodos mistagógicos, bíblicos e litúrgicos, que de novidade não tinham nada, apenas retornavam aos princípios do cristianismo. Hoje, a catequese que tanto sofreu com a necessidade de adaptar-se ao ambiente digital por conta da pandemia da Covid-19, pode retornar aos costumes de antes da pandemia, mas não precisa mais ficar presa ao “velho rito” da catequista com seu livro de temas ou recorrendo somente à sua memória. A apostila pode transformar-se em tablet, as histórias contadas podem se transformar em filmes projetados em alta definição, visitas a lugares históricos podem dar espaço a realidade virtual, aquilo que era apenas oferecido pela catequista pode abrir-se para deixar que o catequizando seja protagonista do seu aprendizado. Nesse caso o Google, com uma boa orientação, pode transformar-se numa ferramenta de pesquisa que faz da catequese não um momento de transmissão da fé, mas um momento de interação com os conteúdos dessa fé, pois os catequizandos são capazes de encontrar os corretos conteúdos do seu aprendizado e crescimento, se eles forem bem orientados. Deixem que eles sejam livres, que formulem suas próprias questões “integrem” as diversas potencialidades pessoais e tecnológicas. Quando alguém ficar doente, não precisará mais recuperar os conteúdos analogicamente, poderá simplesmente acessar o conteúdo que seu “guia” com criatividade já o disponibilizou na nuvem ou registrou ao vivo para seu aproveitamento. Qual o limite dos novos métodos? Seguramente está na capacidade criativa e/ou imaginativa de quem guia, ou seja, do catequista ou da catequista, também em sua capacidade de atualizar-se. O que resume tudo isso certamente é integração e interação.

O que está claro e de acordo com o pensamento da Igreja, é que não precisamos ter medo ou rejeitar a tecnologia. Devemos saber conviver com ela, digitalizar, tirar o devido proveito de tudo aquilo que seguramente é Dom de Deus. No entanto, para que isso aconteça precisamos promover a solidariedade entre os povos, para que os conhecimentos sejam compartilhados, justiça para que os recursos sejam divididos com igualdade; caridade fraterna, sentido de participação para que possamos desenvolver o mundo sempre propensos a crescer mais e mais, onde pessoas não sintam fome e a dignidade não seja ferida.

O mundo do pós-digital é o mundo daqueles que sabem que não podem criar um universo totalmente virtual, mas que são conscientes de como tudo isso pode ajudar a manter nosso mundo real sempre forte, belo e habitável para nós e para as próximas gerações. Cotidiano digital é a ilusão, a fantasia, algo que não existe. Vida digitalizada é aquilo que estamos aprendendo a fazer, mas ainda estamos longe dela. O futuro que se espera é um futuro de harmonia entre as forças humanas e tecnológicas, no presente a tecnologia está só empurrando o ser humano como numa onda que carrega tudo que encontra pela frente. Reflitamos sobre tudo isso!

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