A opção pelos pobres e o grito silencioso dos trabalhadores negros | Paulus Editora

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Igreja e Sociedade

27/11/2013

A opção pelos pobres e o grito silencioso dos trabalhadores negros

Por Valdecir Luiz Cordeiro

O estudo “Os Negros no Mercado de Trabalho”, publicado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), no último dia 13 de novembro, revela que a desigualdade entre negros e brancos persiste. Os trabalhadores negros ganham, em média, 36,1% a menos que os brancos, independentemente do grau de escolaridade e da função que ocupam. Esta dura realidade, enfrentada por 48,2% dos trabalhadores e trabalhadoras, deveria causar inquietação. Tanto mais num país de maioria cristã. Impressiona como a libertação dos pobres é sempre adiada.

Jesus Cristo sintetizou a tradição dos profetas – forjada ao longo de mais de mil anos pelo povo da Bíblia – e anunciou o ideal do reino de Deus, de justiça e plenitude de vida para todos. Somos, portanto, herdeiros de uma tradição espiritual libertadora, e nosso país tem uma das constituições mais avançadas do mundo. O que ainda nos impede de avançar? Quais são os apelos da realidade? Há tendências de inclusão social? Oxalá não fechemos o nosso coração, adverte-nos o Salmo 94.

O Brasil acaba de celebrar os 124 anos da Proclamação da República. O ideal republicano concretiza-se numa forma de governo em que o Estado é organizado para atender ao interesse geral dos cidadãos. Trata-se do cuidado com a coisa pública (res publica, em latim). Claro que esta forma de organizar o estado permanece, em grande medida, como um ideal a ser conquistado pela sociedade.

Mas sejamos realistas, não pessimistas. Aproximava-se o centenário da república quando o país saía de um longo e sangrento período ditatorial. Já avançamos um quarto de século desde a promulgação da Constituição cidadã, em 1988. De lá para cá, o país melhorou significativamente. Estudos mostram que o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) cresceu 47,5%. A pobreza diminuiu. Sinal de que a democracia fez bem ao país.

Por outro lado, não sejamos ingênuos. Certas conquistas trouxeram novos desafios. Mas interesses reacionários atravancam as mudanças. Por isso, o Brasil continua a ser um país escandalosamente desigual, como mostrou o estudo citado acima.

Paul Krugman, em um artigo com o sugestivo título “A guerra contra os pobres” (N. Y. Times, 31/10/2013), cita a oposição preconceituosa aos programas sociais nos EUA. O prêmio Nobel de Economia (2008) mostra como a questão racial é incorporada aos argumentos econômicos utilizados pelos brancos de lá para se oporem a qualquer política social em favor das “minorias”, ou seja, dos negros e latinos, cada vez mais numerosos naquele país.

Por aqui, a guerra contra os pobres é encampada pelas oligarquias encasteladas há décadas na velha mídia. As iniciativas em vista da ampliação ou consolidação dos direitos econômicos, sociais e culturais da população são atacadas sem trégua. Lembremos das reações a algumas delas.

A artilharia servil do noticiário econômico atacou a tentativa de redução dos juros obscenos cobrados pelos bancos. A classe média tradicional foi para a televisão reclamar da ampliação dos direitos das empregadas domésticas. Entidades corporativas, e até mesmo alguns partidos políticos, fizeram oposição ferrenha e odiosa à política de envio de médicos para as periferias e interiores do país. O mesmo acontece em relação às cotas de acesso à universidade. A reforma política, que poderia resolver muitos problemas da nossa frágil democracia representativa, como o domínio do poder econômico nas eleições e a corrupção, é minada na fonte.

Aparentemente, o debate não avança. Mas é bom recordar, a título de exemplo, que o sistema de previdência social, hoje aceito por todos, foi atacado em seu nascedouro, com argumentos similares aos utilizados atualmente contra as políticas sociais. Há que se reconhecer a força histórica dos pobres, a fim de não desanimar.

A injustiça imposta aos trabalhadores negros é uma das faces da guerra contra os pobres. Dar-se conta dela pode ser o primeiro passo na direção de sua superação. O ideal de solidariedade do cristianismo pode conduzir a transformação desta realidade. Deus escolheu os pobres. Nós, os cristãos, não podemos abandonar os pobres (Cf. Tg 3,5-6).

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