A Igreja e as multidões – II | Paulus Editora

Colunistas

Igreja e Sociedade

27/09/2013

A Igreja e as multidões – II

Por Valdecir Luiz Cordeiro

Reinterpretamos agora a pergunta inicial, formulada anteriormente, à luz do aprendizado que a atitude de Jesus para com as multidões nos proporciona. A solidariedade aos apelos dos jovens, externados atualmente nas manifestações mundo afora, aparece como um imperativo da fé cristã. Concretamente, como Igreja, cabe-nos colaborar efetivamente através da formação e articulação de pessoas criativas e comprometidas com a sociedade.

Vimos como Jesus classificou os seus interlocutores em diversos seguimentos. A grande multidão, o pequeno grupo de discípulos e os adversários do Reino. À multidão era anunciado o Reino. Aos discípulos eram explicados pormenorizadamente os valores do Reino. Os inimigos do Reino, que oprimiam os pobres, eram desmascarados pela pregação de Jesus.

As manifestações, que têm tomado as ruas atualmente em várias partes do mundo, são feitas por  multidões, especialmente de jovens. Têm potencial transformador, mas também estão sujeitas às manipulações dos grupos dominantes. Abrigam verdadeiros líderes, mas certamente também pessoas do tipo “fogo de palha”, “Maria vai com as outras” e até oportunistas.

No nível da interpretação do fenômeno e no do planejamento de possíveis soluções às demandas, há na sociedade respostas já em curso. Emergem de interpretações distintas, que configuram práticas diversas e por vezes contraditórias. Muitos são indiferentes, outros, preconceituosos viscerais, que odeiam o povo nas ruas e acham isso coisa de baderneiros. Há os catastrofistas, para os quais tudo vai mal, que endossam protestos contra tudo e contra todos. Felizmente, há também os que têm consciência histórica e sensibilidade em relação aos temas sociais. São os realistas esperançosos que, como os discípulos de Jesus, veem os limites e são capazes de conduzir a mudança.

As manifestações mostram que a lógica do lucro, em detrimento das pessoas, chegou a um nível insuportável. Cresce a consciência de que o Brasil como negócio das elites econômicas deve dar lugar a um Brasil como povo. Algumas políticas públicas, como os programas de transferência de renda, asfixiam-se no gás tóxico da estrutura econômica injusta do Brasil. Problemas novos estão aí a desafiar a todos.

A partir de meados do Século XX, os desdobramentos da Ação Católica resultaram na formação de uma geração de líderes competentes e criativos. Homens e mulheres preparados nas oficinas de estudos bíblico-teológicos e de análise social assumiram um papel relevante nas sociedades. A opção pelos pobres orientava o pensamento. Estes líderes chegaram a ocupar, e muitos ainda ocupam, altos cargos políticos. É hora de fazer o mesmo, com novo vigor e entusiasmo.

A realidade cobra da Igreja os melhores talentos. Dificilmente eles sairão dos onipresentes shows aeróbicos de viés neopentecostal e sotaque estadunidense, tão incentivados ultimamente. Há muita pregação e cantoria pela TV. Mas a realidade pede contato pessoal, na preparação de líderes e no encontro com as pessoas. Daí a pertinência e urgência do apelo do Papa Francisco para que a Igreja vá ao encontro das periferias existenciais.

Os pequenos grupos de estudo, reflexão e oração poderão receber novo impulso. O Espírito sopra na direção dos gestos de solidariedade e diálogo, como contraponto à lógica da indiferença e do fechamento. Caminho exigente, mas cheio de esperança. Oxalá não fechemos os nossos corações, como nos previne o salmo.

nenhum comentário

Igreja Jovens