“Laudate Deum” — Papa Francisco pede resposta frente à mudança climática | Paulus Editora

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Igreja e Sociedade

27/10/2023

“Laudate Deum” — Papa Francisco pede resposta frente à mudança climática

Por Érika Augusto

“Pelo nosso batismo, somos chamados a promovermos a vida, garantirmos as condições socioambientais para que todos os seres possam existir e desenvolver-se plenamente de acordo com o plano amoroso e salvífico de Deus” (Érica Daiane Mauri)

Em 4 de outubro, dia em que a Igreja Católica recorda a memória de São Francisco de Assis, patrono da ecologia, o Vaticano publicou a Exortação Apostólica “Laudate Deum”, escrita pelo papa Francisco. Trata-se de uma atualização da Carta Encíclica Laudato Si’, de 2015, e um grande alerta com relação à gravidade da crise climática e suas imutáveis consequências para a vida no planeta.

No texto, direcionado a “todas as pessoas de boa vontade”, o Santo Padre  faz uma reflexão séria, num estilo menos poético que a encíclica publicada há 8 anos. Segundo especialistas, o tom mais urgente adotado pelo Pontífice indica a gravidade e a avaliação de que muito pouco foi feito desde a publicação da Laudato Si’ e que os efeitos da mudança climática já são vistos e sentidos, sobretudo pelos mais pobres. Em sua fala, o papa cobra uma resposta rápida dos países, governantes e instituições.

Para Érica Daiane Mauri*, autora da PAULUS Editora, graduada em Ciências Biológicas, mestre e doutoranda em Teologia, a mensagem transmitida pelo papa na exortação é corajosa, profética e muito necessária. “A crise socioambiental e as mudanças climáticas não são teorias e especulações apocalípticas de pessoas descomprometidas com a verdade e o bem comum, elas já são realidade há muito tempo, e cada dia mais constatamos suas consequências em nosso dia a dia”, afirma a especialista.

No Brasil, um sinal visível da mudança climática é o alto volume de chuva enfrentado este ano na região Sul do Brasil, a grave seca que atinge a região Norte, de modo especial, e as altas temperaturas. Para Mauri, estes fenômenos não podem ser ignorados, pois atingem toda a sociedade. “Isso tem implicação direta na vida das pessoas, principalmente nos mais vulneráveis, e gera perda de ecossistemas e inúmeras espécies. Isso gera um ciclo de morte que resulta num maior agravamento da crise socioambiental”, esclarece Érica.

Para ela, é preciso união global para superar as causas que estão profundamente arraigadas nas estruturas do nosso modelo de sociedade e buscar soluções reais e permanentes no modo de nos concebermos e de nos organizarmos socialmente. E recorda a frase do papa Francisco no parágrafo 56 da Laudato Si’: “Devemos superar a lógica de nos apresentarmos sensíveis ao problema e, ao mesmo tempo, não termos coragem de efetuar mudanças substanciais.”.

A relação com o próximo e com a Casa Comum

Conforme insiste o papa Francisco nestes dez anos de magistério, torna-se cada vez mais insustentável um mundo regido pelo egoísmo e isolamento. Por isso, o Santo Padre reforça que é urgente repensar o limite do poder humano e defende o uso ético da tecnologia. “Desde o início do seu pontificado, Francisco nos convida a superarmos a ‘globalização da indiferença’, e faz isso nos impulsionando à ‘cultura do encontro’”, recorda Mauri. 

Para a autora, a indiferença petrifica o coração do ser humano e faz com que ele se isole em si mesmo, fechando-se para as necessidades do próximo e do meio ambiente como um todo. “Precisamos reatar os laços de fraternidade e irmandade com todos os seres humanos e com a criação: não somos seres isolados, só existimos por meio desta maravilhosa teia da vida que nos interpenetra e sustenta”, destaca a especialista.

Conforme destaca o papa Francisco, a relação entre o homem e o meio ambiente também é prejudicada pelo avanço da tecnologia e o paradigma tecnocrático, que “destruiu esta relação saudável e harmoniosa” (nº 27). Um caminho para recuperar a conexão entre o homem e a Casa Comum é a abertura às relações, conforme aconselha Érica Mauri. “Superar este paradigma tecnocrático exige uma imediata abertura ao outro, reatar as relações e percebermos que não estamos sozinhos. Em primeiro lugar, reatar a relação com Deus, depois com nós mesmos, identificando nossa fragilidade e interdependência. Depois, reatarmos a relação com as demais pessoas com quem compartilhamos a vida, nossos familiares, amigos, pessoas das nossas comunidades”, afirma.

“Precisamos voltar urgentemente a alimentar e manter relações comunitárias, dos grupos de amigos, vizinhos com quem podemos nutrir nossa humanidade de modo saudável, consciente e comprometido com o bem comum. Só assim estaremos prontos para nos reconectamos com a criação, com os demais seres e elementos que compartilham conosco sua existência”, assegura Érica. Para ela, a partir deste reencontro, seremos tocados pela realidade de todos os seres, contemplando a beleza e a maravilha da criação.

A fé e o compromisso ambiental estão intrinsecamente conectados

No texto da Exortação, o papa é muito enfático ao alertar para os riscos que a humanidade corre com relação à mudança climática, e condena “certas opiniões ridicularizadoras e pouco racionais” (nº 14)  que se apresentam na sociedade — e mesmo na Igreja Católica —, que minimizam e até mesmo negam a mudança climática. “Duma vez por todas acabemos com a atitude irresponsável que apresenta a questão apenas como ambiental, verde, romântica, muitas vezes ridicularizada por interesses econômicos” (nº 58), pede o Santo Padre.

De acordo com Érica Mauri, muitos ainda são conduzidos e iludidos por falsas informações que negam o compromisso de cuidado com a Casa Comum, bem como a existência da crise socioambiental e mudanças climáticas e, até mesmo negam a veracidade das palavras e intenções do papa Francisco. “Nosso Deus é o Deus da vida, e esta vida é já aqui e agora, não apenas em uma dimensão escatológica, e ela é para todos os seus filhos e filhas e suas criaturas. Pelo nosso batismo, somos chamados a promovermos a vida, garantirmos as condições socioambientais para que todos os seres possam existir e desenvolver-se plenamente de acordo com o plano amoroso e salvífico de Deus. E não podemos dizer que defendemos a vida se negamos a existência a qualquer uma das criaturas formadas por Deus, isso é hipocrisia de nossa parte. Deus nos criou para ‘cultivar e guardar’ a criação (Gn 2,15), nossa missão de seres humanos é contribuir com o equilíbrio e harmonia socioambiental”, assegura.

Para a autora, os cristãos que são parte de uma comunidade de fé devem ter consciência e comprometimento com a missão recebida por Deus. Todos somos chamados a este compromisso, restabelecer os laços de fraternidade com toda a humanidade e toda a criação. Em sintonia com o papa Francisco e com toda a Igreja, sejamos portadores e anunciadores da Boa Nova do Evangelho e do cuidado com a Casa Comum. 

*Érica Daiane Mauri possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Maringá (2007), especialização Lato Sensu em Teologia Bíblica (PUCPR-Maringá). Mestrado em Teologia (PUCPR – Curitiba). Doutoranda em Teologia (PUCPR – Curitiba), sendo integrante do Grupo de Pesquisa Bíblia e Pastoral (PUCPR). Participa do Grupo de Reflexão Bíblica São Jerônimo, disponível no Youtube. Pela PAULUS Editora, é coautora dos livros: “Catequese e Ecologia – Espiritualidade ecológica e catequese responsável”, “Lendo o Livro de Sofonias – A justiça e a pobreza como estilo de vida” e “Sofrimento e esperança na Bíblia”.

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