Hermenêutica incompreensível das novas gerações | Paulus Editora

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Tecnologia e Pastoral

07/07/2022

Hermenêutica incompreensível das novas gerações

Por Ednoel Amorim

Sentido é algo de fundamental importância para a nossa existência, para aquilo que fazemos e para nossas escolhas. A hermenêutica em certo sentido pode ser entendida como a tentativa de explicação para aqueles que buscam por sentido, para que se tenha o mínimo necessário para não nos perdemos nas diversas estradas que andamos. Quando se trata de andar por um percurso no sentido seja ele físico ou espiritual, devemos ter consciência que caminhamos juntos na construção de um mundo cada vez melhor, de uma vivência mais assertiva, no fortalecimento dos vínculos e das ferramentas para si viver bem particular e comunitariamente.

Esse “andamos” que é pronunciado no plural nem sempre é experimentado na prática, pois quando se trata do Ser Humano o plural deveria ser inevitável, ou seja, não estamos sozinhos, não somos ilhas, dependemos uns dos outros. O que acontece é que a cada dia nascem milhares de pessoas pelo mundo e morrem outras tantas, o intervalo que existe entre o nascer e o morrer comporta inúmeras gerações que com o passar dos anos vão se distanciando umas das outras e cada vez mais aquilo que fazia sentido a 500 anos não é mais experienciado pelas novas gerações. Para aqueles que viveram a 100 anos atrás, que chegaram por volta dos seus 80 anos era natural nascer e morrer permanecendo com seus valores, crenças e costumes, em seu contexto específico, muitas vezes sem se dar conta das mudanças, pois o processo era bastante lento. Hoje a velocidade é frenética fazendo com que algo que se pratica agora, não era percebido a 50 anos atrás e daqui a 10 anos não será mais compreensível. Quanto mais nos deslocamos no tempo, mais rápida está a velocidade da mudança e mais curto o período de senti-la. É a nossa realidade!

Apesar dessa mudança ativa e veloz, continuamos a viver juntos. Isso deveria nos fazer pensar que apesar das constantes modificações que são perfeitamente acompanhadas pelas gerações digitais, estas podem desenvolver um estilo mais colaborativo com as gerações anteriores que não conseguem acompanhar com a mesma rapidez. É como se existisse uma hermenêutica incompreensível entre o sentido de uma geração para a outra. Dito em palavras mais simples, seria uma incapacidade de dialogar, pois os mais jovens estariam considerando os mais idosos como ultrapassados e sem direito a lugar de fala.

É normal ou justo que se diga: “Não me interessa se os mais idosos não sabem usar os novos meios tecnológicos, não é problema meu.”? Se existe quem pensa assim, temos um problema. E de fato se observarmos, não as falas, mas as práticas, iremos perceber a multiplicação de aplicativos para centenas de coisas, inclusive serviços públicos de saúde, transporte, documentação etc. Muito rapidamente criamos uma sociedade digitalizada onde só uma parte dela é capaz de utilizar os mecanismos implantados. Agindo assim, é hipocrisia falar de evolução, seria mais correto chamar de ditadura da “tecnologia jovem”. Quando colocamos em primeiro lugar unicamente o interesse na praticidade da vida e esquecemos de fazer a devida adaptação de todos, estamos dizendo para todos aqueles que não são capazes de fazer uso dos meios mais modernos: “Não queremos vocês aqui!”

Esse modo de pensar não é absolutamente humano, não entro nem sequer no campo da religiosidade, pois certamente essa postura também não é cristã, mas pensando apenas no ser humano como tal, ele não pode simplesmente dizer que tudo vai bem e supervalorizar esse frenesi da velocidade tecnológica, pois passaria a “estar humano”, pois o “ser humano” carrega em si um “quê” de perenidade, algo que é essencial, que permanece. Absolutizar a mudança e abandonar aquilo que dura, é abandonar o “ser” para transformar-se apenas em “estar”. Somos humanos ou estamos humanos? A segunda opção é propriamente a destruição de tudo que foi construído durante séculos.

Precisamos, pois, recuperar a capacidade de diálogo entre as gerações e ajudar as novas gerações a serem no mundo, não a estarem no mundo. Dizer não ao argumento ou a tentativa de argumentar que as antigas gerações não têm nada a contribuir com as novas ou vice-versa. Dizer não ao desprezo por tudo aquilo que foi feito antes de nós. Pessoas não são objetos ou coisas, não temos uma entrada usb ou uma conexão wi-fi com as quais se possa fazer um upgrade, objetos sim, podem ser reprogramados, atualizados a cada dia. O ser humano, ao contrário, se atualiza no diálogo, na partilha e na cooperação. Não existe idade limite para transmitir sabedoria, aprendemos a todo momento num intercâmbio contínuo, mas aos jovens, mais ansiosos e acelerados, se deve sempre lembrar: Voz é direito de todos não apenas de quem nasceu no século XXI.

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