Do confronto à evitação | Paulus Editora

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Psicologia e Sociedade

25/11/2016

Do confronto à evitação

Por Gustavo Trevisan

Olá, caro leitor!

Se você está lendo este texto, é porque muito provavelmente ainda não foi contaminado com o que chamo de cultura da evitação. E justamente porque você está aqui, lendo, refletindo e dedicando alguns minutos para o seu crescimento. Esse termo, por mais estranho que pareça, aponta para um sintoma social presente em todas as idades, credos, etnias e culturas.

Você já deve ter escutado ou visto pessoas se lamentando de mais sofrimento, que as coisas estão muito difíceis, que estão tomando esse e aquele remédio para isso ou aquilo, dores novas, doenças novas, sentimentos diversos, enfim, parece que estamos vivendo momentos realmente muito ruins.

Você já se questionou se de fato as coisas estão ruins ou se estamos vivendo um momento em que as pessoas estão menos preparadas para enfrentar as adversidades? Adversidades naturais, coisas que sempre houve e sempre vão existir. Afinal de contas, não sabemos hoje o que é ditadura, sabemos? Sabemos o que é guerra? E ainda: já esquecemos até o que é escravidão. Reclamamos de inflação de cerca de 13% ao ano, mas acredite, já vivemos inflação de mais de 5.000% ao ano, isso mesmo, CINCO MIL! Ficamos doentes, é verdade, mas não sei de nenhuma peste capaz de dizimar metade de uma nação. Não vejo ninguém enforcado em praça pública lutando por uma ideologia. Existe violência, eu sei, medo, sei também, mas não vou trabalhar num campo a uma temperatura de 20 graus negativos porque tenho sobrenome judeu.

Pois bem, o que falei acima não é normal, evidentemente. São coisas de que a humanidade se envergonha, ou pelo menos deveria. Mas chamo a sua atenção agora às coisas pequenas do dia a dia, coisas que acontecem toda hora, tal como filho desobedecendo os pais, decepção amorosa, frustração no trabalho, falta de dinheiro para comprar isso ou aquilo, gente ligando para lhe cobrar, uma dorzinha aqui, outra acolá, enfim, contratempos e adversidades que antes passavam despercebidos. Lidávamos com isso muito bem, mas hoje tornou-se motivo para Rivotril. Conclusão: A nossa geração não aprendeu a sofrer.

A filosofia e a psicologia têm algumas explicações para isso. Faço o compromisso com você, caro leitor, de explicar uma a uma, mas para este momento concentro-me na motivação inicial do texto.

Vamos a ela: Em que situações passamos da era do confronto para a era da evitação?

Quando vemos nas fachadas das igrejas por aí a frase do tipo “Pare de Sofrer”. Quando, para todo esboço de desânimo e tristeza, encontramos o alívio na farmacologia. Quando, para perder uns quilinhos, recorro a anfetaminas e cirurgias plásticas. Quando não quero ouvir meu filho chorar eu falo mais sim do que não, ou até mesmo quando, para aliviar a culpa da minha ausência, o agrado demais. Quando prefiro o milagre à oração. Quando a velocidade é mais importante do que a direção. Quando estético é mais importante do que a função, o ter é melhor do que o ser… Estamos evitando o sacrifício natural humano de nos tornar humanos.

Fugir do sofrimento nos causa mais sofrimento. Evitar a dor nos causa mais dor. Nossa geração sofre muito porque erroneamente inventou subterfúgios para evitar confrontar seus sentimentos, medos e fantasmas. Se não os confrontamos, toda adversidade é estranha e ganha força, não criamos imunidade. Se você nunca andou descalço, uma brisa o faz adoecer.

O ato de confrontar depende da dor a curto prazo, mas gera alívio a longo prazo. O sofrimento que você finge exorcizar volta com mais força e vigor, e as coisas de fato se tornam difíceis.

Confrontar demanda energia, força e vontade. Tal como aprender. Só cresce quem aprende, mas para isso você precisa estar disposto a dialogar com a dúvida, e isso incomoda. Depois da dúvida, o conhecimento, a experiência e a paz.

O medo que negamos é o medo do qual morremos; o medo que confrontamos é experiência e ganhamos. Quem evita algo inevitável é vítima de si mesmo.

Quando lidamos com os nossos sentimentos naturalmente, entendendo que a dor e o sofrimento fazem parte da nossa condição, ficamos imunes e ganhamos forças para as adversidades. A virtude não está em não sofrer, o que “tecnicamente” é impossível, mas a virtude está em saber sofrer. Dessa forma damos sentido à dor e ganhamos uma razão para lutar.

Termino esta pequena reflexão parafraseando o personagem representado pelo ator Wagner Moura no filme Tropa de Elite: “Quer ter paz? Aprenda a lutar”.

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