Tempos Sombrios | Paulus Editora

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Plural

02/02/2017

Tempos Sombrios

Por Antonio Iraildo

Estamos em crise. Há tempos repete-se à exaustação essa frase. Mas o problema não é a crise em si. O problema, na verdade, é o vazio de pensamento. Um ditado antigo diz que “cabeça vazia é oficina do diabo”. Diabo aqui para além do anjo descaído, mas aquilo que se infiltra nas instituições e nas mentes, causando divisão, intriga e ódio ao que é diferente. Noutros momentos da história a ausência de pensamento acarretou muitos estragos. Sem pensamento a humanidade adoece. Não diria que viraria bicho, porque seria uma ofensa às criaturinhas que, na sua maioria, são afáveis.

Não se trata de ser apocalíptico. Trata-se de discutir as questões que nos envolvem com o mínimo de responsabilidade e evitar o absurdo de ficar por aí criando bode expiatório. Bode expiatório é outra figura de linguagem que merece atenção do ato de pensar. É uma tentação da humanidade culpabilizar uns para eleger alguns como “pessoas de bem” e depositar no bode todos os males do mundo.

Entre nós expressões da vez como petralhas, coxinhas, esquerdopatas, mortadelas e tantas outras de escalão baixíssimo têm feito verdadeiras guerras, sobretudo nas redes sociais, mas também ao vivo. Alguns formadores de opinião da mídia hegemônica se encarregam de tecer tal narrativa e incutir nas mentes o vácuo de pensamento.

Vez e outra, “elite” e “ralé”, pegam carona neste vácuo, utilizam-se dessa narrativa, para intensificar um fio entre classes, regiões, etnias e gêneros. Se você se posiciona à esquerda, está fadado aos escárnios dos mais escrachados. Para isso bastaria passear na Avenida Paulista vestido de camiseta vermelha em dia de manifestação oposta. O mesmo se aplica a quem pensa à direita. O verde e amarelo de nossa bandeira transformou-se em uma cor da elite. O Hino Nacional passou a ser, como que, jargão de um lado só.

Há um coral dos que apenas papagueiam discursos prontos. O pior é quando tais discursos disseminam ódio simplesmente, porque o outro é diferente, é pobre, é negro, é índio, é migrante, é refugiado.

O fundador da Paulus, padre Tiago Alberione, insistia nesta frase: “façam a todos a caridade da verdade”. Trata-se de uma caridade feita com a palavra, com a comunicação. Para isso é preciso exercitar o pensamento. Este exercício se dá no estudo pessoal, nos livros, na solidão dos textos. Porém se dá especialmente na leitura do mundo. Ler o mundo é tocar a realidade, apalpá-la, senti-la. É ser capaz de viver a compaixão, a ternura. É ser capaz de viver os sentimentos humanos mais nobres, entre eles a gratidão.

A realidade é complexa. É tosco demais enxergar o mundo com o vício do binarismo. Há um horizonte aberto. A vida pode ser maravilhosa. Vale a pena ousar nesta aventura, com espírito crítico. Mas, sobretudo, com amor no coração. É isso que enche a existência de sentido. Não vale o jargão “acelera”, tão em moda na cidade de São Paulo, já tão acelerada e desumana. A vida é para ser degustada, desaceleradamente!

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