A difícil tarefa de compreender | Paulus Editora

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18/11/2016

A difícil tarefa de compreender

Por Antonio Iraildo

Há quem ache que tem a melhor opinião do mundo e que teria a solução para todos os problemas. Os achismos estão por toda parte: em casa na fala cotidiana, na rua, no bar, na escola, no trabalho, na igreja. Assuntos como política e futebol geralmente são os que causam mais euforia. Meu time é sempre o melhor, mesmo que esteja na série mais baixa do campeonato. Meu partido é o mais perfeito, ainda que esteja atolado em inúmeras denúncias de corrupção e envolvido nas maiores maracutaias da república. Não seria melhor uma atitude menos radical e certa humildade para admitir que minha opinião, embora valiosíssima, é uma entre várias? A realidade é complexa. Compreendê-la não é tarefa fácil.

A pensadora Hannah Arendt durante sua vida buscou ler e compreender os eventos que marcaram o seu tempo, o século XX, século que o historiador Eric Hobsbawn assinalou como a Era dos extremos. Os primeiros anos do nosso século XXI, porém, não tem sido muito diferente. Basta um olhar rápido pelas páginas dos jornais diárias, pelas revistas semanais e pelo o burburinho das ruas. Há um mal-estar e certo grau de desumanidade que beira o asco.

Diante dos horrores provocados pelos regimes totalitários, Arendt observou que o fenômeno não poderia ser entendido por meio dos conceitos tradicionais como esquerda e direita, por exemplo. De acordo com a pensadora, compreender significa encarar a realidade sem preconceitos e com atenção, e resistir a ela – qualquer que seja. Em nossos dias, não basta tachar uns de mortadelas e outros de coxinhas. O desafio é bem maior.

Nessa difícil tarefa de compreender seu tempo, Arendt examinou a “corrente subterrânea” da História e investigou como e por que foi possível o surgimento de sistemas políticos que transformaram milhares de seres humanos em “objetos” sem valor. Uma resposta a essa inquietação é a de que a ideologia dos sistemas deixou os homens desprovidos de uma política eficaz que assegurasse o direito à liberdade. O conceito de liberdade é central na concepção política da autora.

Na obra Origens do totalitarismo, Arendt apresentou o resultado de sua tarefa de “compreender o impensável” e vislumbrar a possibilidade de uma eficiente ação política, a qual fosse capaz de impedir o reaparecimento de algo semelhante ao Nazismo no futuro.

O pensamento arendtdiano, fundado sobre a catástrofe da Segunda Guerra Mundial, caracteriza-se por uma busca pela dignidade da política. Isso ela fez sem se prender a uma única corrente de pensamento. A ação política, segundo a autora, se apresenta como a relação entre-homens: no espaço da convivência. São os homens mesmos  que constrõem este espaço, na liberdade. Eles deixam as suas próprias “marcas” no terreno da História: terreno dos acontecimentos. O contrário disso seria a perda total do “senso comum”, isto é, da capacidade de perceber o que se passa com o semelhante, com o vizinho, com a comunidade.

O legado de Arendt pode nos ajudar a pensar a política hoje. Para tanto é importante visitarmos os clássicos, de modo que não tateemos na superficie.

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