Logo no início do mês de novembro, a liturgia nos propõe duas celebrações especiais – Todos os santos e Fiéis defuntos – que nos fazem refletir sobre a importância da memória e o sentido da vida. De fato, é sempre a Vida o que celebramos solenemente em cada liturgia eucarística: a vida de Cristo e a vida nova que a sua ressurreição nos proporcionou. Mas em novembro temos uma oportunidade especial de meditar mais profundamente sobre este grande mistério.
A solenidade de Todos os santos e santas faz memória de todas estas pessoas especiais que seguiram Jesus de modo radical e profundo. Homens e mulheres de todos os tempos, que testemunharam com a fé e a vida o seu amor a Cristo. Homens e mulheres de todos os continentes, culturas, épocas, idades, classes sociais… Homens e mulheres que sorriram, sofreram, amaram, relacionaram-se com os outros… enfim, pessoas comuns que se tornaram únicas e especiais porque viveram unidas intimamente a Deus, em santidade.
Logo a seguir fazemos memória de todos os nossos entes queridos que já deixaram este mundo. Também eles são, em certo sentido, agraciados com a santidade, pois estão junto de Deus, já contemplam Deus face a face. Na celebração dos Fiéis defuntos não recordamos os mortos, mas celebramos a vida que eles viveram e que continuam a viver na eternidade. Recordamos todas as suas virtudes e boas ações, todos os exemplos que nos deixaram.
Estas duas celebrações nos convidam a meditar também sobre o sentido profundo da existência e quais são as coisas fundamentais da nossa vida. Uma reflexão filosófico-existencial, mas também essencialmente cristã. Para muitas pessoas, o essencial na vida são os bens materiais, para outros é o sucesso profissional, para outros a fama, o bem estar físico, o status social e assim por diante. Isso é até compreensível numa sociedade consumista e egocêntrica como a nossa. Mas nós cristãos deveríamos ver o mundo de outra forma, a partir da perspectiva evangélica, a exemplo dos santos.
Se refletirmos sobre o sentido da vida com os olhos da fé, veremos que o essencial é o que permanece para sempre: são os pequenos gestos de afeto e compaixão, a simplicidade e o amor gratuito, a disposição para renunciarmos às nossas vontades e acolher as necessidades do outro, de nos dedicarmos ao bem do próximo… Enfim, tantas pequenas coisas do cotidiano que refletem a santidade e o amor.
Se pensarmos bem, as coisas mais preciosas são as que “custam” pouco, mas que tem grande “valor”: um abraço, um sorriso, uma gentileza, um olhar carinhoso, um tempo dedicado aos filhos, aos pais, aos amigos… As coisas mais valiosas da vida estão ao alcance de todos, a todo o momento. Pena que muitas vezes elas ficam em segundo plano, ou terceiro. E, normalmente, quando nos damos conta desta importância é já tarde: quando alguém nos deixa, pela distância, pela morte, ou talvez porque não soubemos criar os laços fundamentais.
Celebrar os Fiéis defuntos é uma forma de recordar todas estas coisas “valiosas” que nossos entes queridos nos deixaram. Coisas que certamente ajudaram a construir a nossa identidade e que nos trouxeram, a seu tempo, muita felicidade. É também um momento de refletirmos sobre a qualidade dos nossos “pequenos gestos cotidianos” para com aqueles que ainda estão ao nosso lado. Para isso, o exemplo dos santos e a meditação do Evangelho nos ajudam muito. Os gestos de Jesus, a atenção que ele dedicava a cada pessoa, a intensidade com que vivia cada momento e cada encontro convidam-nos a imitá-lo.
Enfim, as coisas fundamentais da vida são as que nos enchem de alegria, que nos fortalecem, que nos dão segurança e tranquilidade, que nos enriquecem espiritualmente, que nos fazem crescer humanamente… É o caminho que percorremos, as experiências que fazemos, as emoções que vivemos, as relações que construímos… São todas as ações, sentimentos, momentos e pessoas que nos aproximam de Deus.