Estamos vivenciando a Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos, promovida pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC). A coexistência das diversas denominações cristãs é compatível com a unidade. Mais. Os cristãos são chamados a ser sinal de unidade para além das fronteiras do cristianismo.
O mundo precisa superar o atual modelo de globalização econômica que, ao invés de produzir unidade, massifica e anula a riqueza da pluralidade das experiências dos povos.
Em primeiro lugar, a unidade não deve ser confundida com uniformidade. Pelo contrário, a unidade dá sustentação à pluralidade, e seu fruto mais expressivo é o reconhecimento do outro. O mistério da encarnação é a expressão da unidade que sustenta a diversidade. A Palavra eterna do Pai, o Filho, assumiu a nossa humanidade e habitou entre nós (Jo 1,14). Jesus de Nazaré viveu na Palestina, era judeu, mas a sua experiência humana, marcada pelo amor incondicional, transcende as coordenadas do espaço e do tempo. Ele nos revela o rosto bondoso de Deus.
O Cristo é vínculo de unidade entre as pessoas. Daí a advertência de Paulo à comunidade de Corinto, numa ocasião de intrigas e divisões: “acaso Cristo está dividido?” (2Cor 1,1-7). Na realidade, “o amor de Cristo nos uniu” de modo que podemos viver a diversidade de forma humanizadora.
Sabe-se que o Apóstolo Paulo foi um grande defensor da universalidade do cristianismo. Fundou muitas comunidades no vasto entorno do Mediterâneo. Mas a sua peculiar forma de compreender a centralidade do Cristo o fez valorizar a identidade cultural e as características próprias de cada comunidade local. Os cristãos, por sua vez, foram entendendo que ser judeu ou grego, escravo ou homem livre, homem ou mulher não é motivo para divisões, quando a existência pessoal e comunitária é vivida no amor de Cristo (Cf. Gl 3,28).
Em segundo lugar, a unidade não deve ser pensada em termos de uma ordem pronta e acabada, à qual todos devem se conformar.
Na realidade, Jesus liberta para a liberdade, devolve o ser humano ao terreno da história, ao lugar da diversidade, o lugar da vivência da fé como criatividade e engajamento na transformação do mundo (Cf. Gl 5,6).
A unidade dos cristãos, que supõe o respeito à diversidade, pode ser um sinal de esperança para a humanidade. Se por um lado ajuda os cristãos a superarem a dor das divisões, por outro lado pode contribuir para a concretização do sonho de Jesus de que a humanidade seja uma família de irmãos, não no sentido de uma uniformização religiosa, mas pelo respeito à dignidade da pessoa humana.
Lamentavelmente, o capitalismo globalizado impõe sua lógica de exploração massiva. A pluralidade é anulada em prol dos lucros das grandes corporações. Mas a humanidade reage. Quando, nos anos 90, parecia ser consenso que o mercado significava a plenitude da história, os movimentos populares fizeram ouvir o grito de que “um outro mundo é possível”.
Ainda persiste a padronização da cultura e dos comportamentos através da venda de mercadorias que obedecem a modelos globais. Mas quanto mais se globaliza, tanto mais a diversidade aparece sob a forma de resistência. A título de exemplo, a onda dos fast foods, as comidas rápidas e padronizadas em escala global, que parecia invencível, já enfrenta uma não desprezível resistência de movimentos que visam resgatar o sentido humanizador do ato de comer. E não deixa de ser interessante a fidelidade do povo aos botecos simples e às feiras populares.
Nesta linha, merece destaque o movimento slow food. Surgido na Itália nos anos 80, recentementeseu fundador, Carlo Petrini, recebeu cartas de apoio do Papa Francisco. Certamente não é a tábua de salvação, mas o movimento visa criar um estilo de vida a partir de uma visão de alimentação que valoriza a biodiversidade, a produção local, o gosto de comer e o convívio fraterno. É a humanização do ato de comer, indo além do alimentar-se para ser um mero operário do sistema, como frequentemente acontece nas filas quase bovinas dos fast foods.
A própria explosão do fenômeno religioso, marcado pela diversidade de formas e princípios, pode ser vista como um sinal dos tempos, uma espécie de Babel dos tempos modernos que confunde a língua dos homens para que Deus possa ser ouvido.
Certamente é um questionamento a certas pretensões de se controlar a experiência religiosa em grande escala. Ou uma reação às tendências massificadoras de uma modernidade muitas vezes ingenuamente otimista em relação ao potencial salvífico das ciências e da tecnologia.
Pois bem, sob qualquer ponto de vista, seja o da busca da unidade, seja o do respeito à diversidade, expressar a fé no Cristo pela caridade supõe o reconhecimento do outro. O reconhecimento do outro como um interlocutor legítimo, como um irmão na caminhada, é o ponto de partida e de chegada para a consolidação de uma unidade que humaniza e personaliza. Vale tanto para a religião quanto para a sociedade.