Bote fé na política | Paulus Editora

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Igreja e Sociedade

26/08/2014

Bote fé na política

Por Valdecir Luiz Cordeiro

A missão da Igreja tem alguma coisa a ver com a política?

Em uma palavra, sim. E essa relação decorre da fé.

Os cristãos, em razão da missão que Cristo confiou à Igreja, podem e devem contribuir com a sociedade, no grande desafio de construir um mundo mais justo e humano. O cristão bota fé na política.

Convenhamos, o tema é espinhoso. Cresce a aversão à política. Muitos se irritam quando o assunto é associado à fé. A ceara de preconceitos nesse campo é extensa. A fim de evitar mal-entendidos, faz-se necessário ter em mente duas ressalvas importantes. Primeiro, falamos da grande política, da arte de viver em sociedade, com tudo o que isso implica.

A degradação da política, pela demagogia e a manipulação, é reprovável.

Mas a política deve ser valorizada, pois é uma dimensão do humano. Segundo, quanto à fé, não falamos de uma mágica. Ao contrário, trata-se da confiança em Deus, uma experiência interpessoal. No nível humano, a fé se expressa na confiança no outro e na abertura aos seus apelos de solidariedade.

Assim, pois, a fé é a fundamentação última e o critério ordenador da visão política cristã, de sorte que a ação política dos cristãos deve ser uma participação livre, decorrente da alegria de ser amado por Deus e poder levar essa alegria aos outros.

Os primeiros cristãos expressaram esse entendimento. “Amemos, porque ele (Deus) nos amou por primeiro” (1Jo 4,19). Segundo Lucas, “os discípulos voltaram muitos alegres” com os resultados humanizadores da missão (Cf. Lc 10,17).

O documento A alegria do Evangelho, do Papa Francisco, que trata do tema da evangelização, afirma que, assim como Deus amou a humanidade por primeiro, o cristão deve “primeirear” (n. 24), tomar a iniciativa. Obviamente, isso também se aplica ao campo político.

A função da fé é inserir as pessoas numa dinâmica de solidariedade, que a bíblia chama de “amor ao próximo como a si mesmo” (Lv 19,18; Mc 12,31).

Amor às pessoas, especialmente aos oprimidos, não às coisas. Vida fraterna, da qual a Igreja é sinal, e a política uma expressão privilegiada.

Quanto a isso, é significativo o aprendizado do povo de Israel.  Imerso em profunda crise no Exílio babilônico (século VI a.C.), longe do Templo e da Terra Prometida, o povo compreendeu que a fé em Deus, mais que motivação para criar estruturas religiosas, é compromisso na formação da comunidade humana, sob os signos da justiça e da paz.

“Observai o direito e praticai a justiça” (Is 56,1), diz o profeta, no contexto da reconstrução de Israel, após o retorno do Exílio.

A experiência cristã funda-se em Jesus Cristo. Nele as pessoas se sentem amadas pelo Pai, e estimuladas a permanecer na caridade (Cf. Jo 15,9). Essa experiência cria um espírito de abertura aos apelos dos outros. O Cristo ressuscitado, que venceu as forças desagregadoras da morte, devolve o ser humano ao terreno da história, lugar do amor e do serviço. Ele caminha de mãos dadas com as pessoas que se comprometem na construção de uma sociedade mais justa e fraterna. Ide pelo mundo, estarei convosco!, diz Jesus (Cf. Mt 28,19-20).

Uma determinada visão política, no fundo, tem como paralelo uma certa ideia de Deus. Para Jean-Yves Congar, teólogo francês do século XX, uma concepção equivocada de Deus resulta em degradação da política. As distorções mais recorrentes são o autoritarismo e a resignação. Considerando que a fé cristã é trinitária, diz o teólogo, não se pode esquecer que Deus só é Pai em relação ao Filho, a quem dá tudo, e com quem tem, por conseguinte, uma relação fraterna.

Portanto, a fraternidade entre o Pai e o Filho, proporcionada pelo Espírito, que é amor, é o fundamento último para a compreensão da política.

A fraternidade da Santíssima Trindade é a chave de compreensão para o exercício do poder como serviço, superando o autoritarismo e a manipulação, e da participação na política como construção de um mundo de paz, vencendo o individualismo e a acomodação. Com base nisso, sustentamos que a autêntica experiência do encontro com Deus leva a uma maior participação na vida da sociedade.

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