Servir à beleza da transmissão da fé | Paulus Editora

Colunistas

Juventude

01/10/2019

Servir à beleza da transmissão da fé

Por Jerônimo Lauricio

Continuando nossa reflexão sobre a “Diaconia da Beleza”, vamos hoje meditar como a Igreja é chamada a ser “servidora da Beleza Divina”, ao transmitir a herança da fé de geração em geração. Para nos ajudar esse caminho bonito de serviço, vamos tomar como fio condutor um trecho da Exortação Evangelii Gaudium no parágrafo 167.

“É bom que toda a catequese preste uma especial atenção à «via da beleza (via pulchritudinis)». Anunciar Cristo significa mostrar que crer n’Ele e segui-Lo não é algo apenas verdadeiro e justo, mas também belo, capaz de cumular a vida dum novo esplendor e duma alegria profunda, mesmo no meio das provações. Nesta perspectiva, todas as expressões de verdadeira beleza podem ser reconhecidas como uma senda que ajuda a encontrar-se com o Senhor Jesus. Não se trata de fomentar um relativismo estético, que pode obscurecer o vínculo indivisível entre verdade, bondade e beleza, mas de recuperar a estima da beleza para poder chegar ao coração do homem e fazer resplandecer nele a verdade e a bondade do Ressuscitado”.

 

  1. UMA FÉ BELA POR ATRAÇÃO E NÃO POR PROPAGANDA

O anúncio e a transmissão da Boa Nova do Evangelho nos fazem tocar no mais profundo da Beleza Divina. E a Igreja realiza isso quando abraça a sua missão de levar as pessoas a Cristo, o Salvador, compartilhando a Palavra de Deus e o dom dos sacramentos. Nesta perspectiva, o caminho da Beleza parece ser um itinerário privilegiado para a Igreja entrar em contato com muitos daqueles que enfrentam grandes dificuldades em receber os ensinamentos da Igreja, particularmente em relação à moral. Sim, pois infelizmente, muitas pessoas percebem o cristianismo como uma submissão a mandamentos feitos de proibições e limites aplicados à liberdade pessoal. É neste sentido, que em um outro trecho da Evangelii Gaudium, o Papa Francisco nos diz que “a Igreja não cresce por proselitismo, mas por atração” (14). E de fato esse é o caminho, pois, a beleza absolutamente original e singular de Cristo, modelo de uma “vida verdadeiramente bela” para a Igreja, reflete-se justamente na santidade de vida dos cristãos transformada pela graça. Da beleza interior provocada por um encontro pessoal com a Beleza em pessoa – pensamos na experiência de Santo Agostinho – brota a capacidade de propor eventos de beleza em todas as dimensões da existência e na experiência da fé.

Seguindo o mesmo trecho da Evangelii Gaudium (167), o Papa nos acrescenta que: “se nós, como diz Santo Agostinho, não amamos senão o que é belo, o Filho feito homem, revelação da beleza infinita, é sumamente amável e atrai-nos para Si com laços de amor. Por isso, torna-se necessário que a formação na ‘via pulchritudinis’ esteja inserida na transmissão da fé.” E em sua Carta aos Artistas em 1999, o Papa João Paulo II sublinhou justamente a beleza escondida e revela na novidade da Encarnação: “De fato, quando Se fez homem, o Filho de Deus introduziu na história da humanidade toda a riqueza evangélica da verdade e do bem e, através dela, pôs a descoberto também uma nova dimensão da beleza: a mensagem evangélica está completamente cheia dela”. E é dessa Beleza e única que a Igreja se tornou guardiã e servidora.

 

  1. A BELEZA DA TRASMISSÃO DA FÉ E SEU REFLEXO NA SANTIDADE CRISTÃ

Na história um dos grandes apreciadores da beleza foi o grande romancista russo, Fiodor Dostoiewski. Foi ele quem nos legou a famosa frase: “A beleza salvará o mundo” dita no livro O Idiota.  Muito tem sido escrito e discutido a respeito desse misterioso provérbio e sua interpretação. Todavia, creio que uma maneira particular de o interpretar seja talvez olhando para a vida dos santos que se configuraram à vida de Cristo. Os santos são como belos ícones nos apontando para Aquele Sumo Belo que veio redimir o mundo. “A beleza salvará o mundo“, porque essa beleza é Cristo, a única beleza que desafia o mal e triunfa sobre a morte. Por amor, o “mais belo dos filhos dos homens” tornou-se “o homem das dores”, “sem beleza, sem majestade, sem nenhum  atrativo para atrair os nossos olhos” (Is 53,2), e assim ele  refez a humanidade  de cada ser  humano  e deu a cada um a plenitude da Sua beleza, Sua dignidade e Sua verdadeira grandeza. Em Cristo, e somente n’Ele, a “via crucis” da humanidade se transforma na Sua “via lucis” (caminho de luz) e “via pulchritudinis” (caminho da beleza). Os santos são, portanto, aqueles que acolheram livremente o convite para percorrer essas três vias redentoras.

Novamente aqui nos recordamos do Santo de Cartago, que no entardecer da sua vida assim concluiu: “Tarde te amei! Tarde Te amei, ó Beleza tão antiga e tão nova! Tarde demais eu Te amei! Eis que estavas dentro, e eu, fora – e fora Te buscava, e me lançava, disforme e nada belo, perante a beleza de tudo e de todos que criaste. Estavas comigo, e eu não estava Contigo… Seguravam-me longe de Ti as coisas que não existiriam senão em Ti. Chamaste, clamaste por mim e rompeste a minha surdez. Brilhaste, resplandeceste, e a Tua Luz afugentou minha cegueira. Exalaste o Teu Perfume e, respirando-o, suspirei por Ti, Te desejei. Eu Te provei, Te saboreei e, agora, tenho fome e sede de Ti. Tocaste-me e agora ardo em desejos por Tua Paz!” (Santo Agostinho, Confissões 10, 27-29).

Quando experimentamos algo verdadeiramente, transcendentalmente belo, devemos fazer questão de compartilhar nossa experiência com os outros. Assim foi a vida de tantos homens e mulheres na Igreja que, como Agostinho se santificaram e mudaram o mundo, ao se deixarem alcançar pela beleza fascinante que brota do rosto e do nome de Jesus de Nazaré. Como expressou o Papa Bento XVI durante a primeira canonização de seu pontificado na missa de encerramento da XI Assembleia Geral ordinária do Sínodo dos Bispos sobre a Eucaristia, “o santo é aquele que, sentindo-se de tal forma atraído pela beleza de Deus e pela sua perfeita verdade, progressivamente por ele é transformado. Por esta beleza e verdade está pronto a renunciar a tudo, também a si mesmo. Para ele é suficiente o amor de Deus, que experimenta no serviço humilde e abnegado do próximo, sobretudo de quantos não são capazes de retribuir” (23 de outubro de 2005).

Por fim, é preciso que nos recordemos que se a santidade cristã configura a beleza do Filho, a Imaculada Conceição é a mais perfeita ilustração do trabalho de beleza. A Virgem Maria e os santos são a reflexão luminosa e o testemunho atraente da singular beleza de Cristo, a Beleza do infinito amor de Deus que se dá e se faz conhecido pelos homens. Estes refletem, cada um segundo o seu modo, como prismas de um cristal, faces de um diamante, contornos de um arco-íris, a luz e beleza original do Deus de Amor. Se a santidade do homem é participação na santidade divina, o mesmo podemos dizer da beleza da Igreja, da qual é chamada a “ser gloriosa sem mancha nem ruga, nem qualquer coisa semelhante, mas santa e imaculada (Ef 5,27). Ou ainda, como nos Escreve o Autor do Apocalipse: “Vi depois a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do Céu, da presença de Deus, pronta como noiva adornada para o seu esposo. E, do trono, ouvi uma voz potente que dizia: Eis a morada de Deus entre os homens. Deus há-de morar entre eles: eles mesmos serão o Seu povo e Ele próprio – Deus-com-eles – será o Seu Deus” (Ap 21,2ss)

nenhum comentário