Guardiã da beleza do verdadeiro amor – um dos serviços da Igreja. | Paulus Editora

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01/09/2019

Guardiã da beleza do verdadeiro amor – um dos serviços da Igreja.

Por Jerônimo Lauricio

Na nossa última meditação vimos que na beleza da criação se manifesta a onipotência de um Deus Criador que ama. Guardar e cultivar essa beleza é DOM e TAREFA confiados ao homem desde o princípio e esse eco do gênesis se estende também à Igreja. Dando mais um passo, veremos hoje que no seu chamado de ser “servidora da Beleza Divina”, uma outra Diaconia da Igreja é também ser guardiã da “beleza do verdadeiro amor”.

As narrativas dos primeiros capítulos do livro do gênesis, mostra-nos que tudo o que Deus cria é belo e bom e que o homem e a mulher, o ser humano, por ser o ápice da criação inteira é o único “capaz de conhecer e amar o seu Criador” (Gaudium et Spes, 12). De fato, na história da criação original tudo é bom, exceto uma coisa: “Não é bom que o homem esteja só” (Gn 2,18a). O homem em sua solidão não é capaz de contemplar a beleza do amor, por isso, ele precisa de “uma ajuda que lhe corresponda” (18b). Assim nos ensina o Catecismo da Igreja Católica: “Deus, que criou o homem por amor, também o chamou para o amor, vocação fundamental e inata de todo o ser humano. Pois o homem foi criado à imagem e semelhança de Deus (Gn 1,27), que é Amor (I Jo 4,8.16)” (CIC 1604). Depois de eleito, o Papa João Paulo, em sua primeira Encíclica Redemptor Hominis, (1979), escreveu-nos assim: “o homem não pode viver sem amor. Ele permanece para si próprio um ser incompreensível e a sua vida é destituída de sentido, se não lhe for revelado o amor, se ele não se encontra com o amor, se o não experimenta e se o não torna algo seu próprio, se nele não participa vivamente”.

  1. A BELEZA DO AMOR REVELADA NO SIGNFICADO ESPONSAL DO CORPO

São João Paulo II em uma das suas Catequeses da Teologia do Corpo, compreende que “o corpo humano encerra desde o princípio o atributo esponsal, isto é, a capacidade de exprimir o amor: exatamente aquele amor em que o homem se torna dom e realiza o próprio sentido do seu ser e existir” (TdC 15, 1). Quando dizemos que a beleza do amor está revelada no “significado esponsal do corpo humano” é porque assim como o próprio amor, “este significado só se pode compreender no contexto da pessoa.  Como diz o Concílio (GS 24), o homem é única criatura que Deus quis por si mesma, a qual, ao mesmo tempo, não pode encontrar-se plenamente senão mediante no sincero dom de si mesma” (TdC 15, 5). Eis a vocação do homem, uma existência chamada a servir a verdade, a bondade e a beleza do amor.

Também em sua Carta às Famílias (1994 ), o Papa João Paulo, acrescenta: “O amor faz com que o homem se realize através do dom sincero de si: amar significa dar e receber aquilo que não se pode comprar nem vender, mas apenas livre e reciprocamente oferecer”.  De fato, a beleza do amor verdadeiro, podemos vê-la impressa no corpo humano, no qual está escrito a linguagem do dom, a gramática da doação de si ao outro, pois “o corpo humano orientado interiormente pelo dom sincero da pessoa, revela não só a sua masculinidade e feminilidade no plano físico, mas revela também tal valor e tal beleza que ultrapassam a dimensão simplesmente física da sexualidade” (TdC 15, 1). Em um outro trecho, continua o Papa a dizer que “o homem foi criado como especial valor diante de Deus, que “vendo toda a sua obra, considerou-a muito boa” (Gn 1,31), mas também como especial valor para o homem mesmo: primeiro, porque é ‘homem’; segundo, porque a mulher é para o homem e vice-versa. Um é DOM para o outro” (TdC 9, 1).

  1. CRISTO VEM REDIMIR A BELEZA DO AMOR

Basta um olhar silencioso e demorado para logo observarmos que de fato desde o princípio a humanidade caminha à procura do que poderíamos chamar de “belo amor”. Muitos filmes, livros e músicas revelam esse anseio natural que há no coração de todo homem e toda mulher pela beleza do amor. Em uma palavra: no coração do “homem histórico” há um eco do “homem do princípio”. Por isso, que a história do “belo amor”, segundo São João Paulo II, “podemos dizer em certo sentido se iniciou, com o primeiro casal humano, com Adão e Eva”. E o interessante é que na Antiga Aliança, a tentação, a que cederam, e o consequente pecado original não os privou completamente dessa capacidade do “belo amor”. Ao contrário, por natureza, o “belo amor é atraente”. O perigo, todavia, consiste em endurecer o coração, deixar-se ser atraído pelo o “belo amor aparente” e chamar de amor o que se opõe à lógica do dom: o egoísmo.

O Papa Francisco a esse respeito nos diz na Exortação Apostólica Amoris Laetitia: “A beleza – o valor sublime do outro, que não coincide com os seus atrativos físicos ou psicológicos – permite-nos saborear o caráter sagrado da pessoa, sem a imperiosa necessidade de possui-la. Na sociedade de consumo, o sentido estético empobrece-se e, assim, se apaga a alegria. Tudo se destina a ser comprado, possuído ou consumido, incluindo as pessoas. Ao contrário, a ternura é uma manifestação deste amor que se liberta do desejo da posse egoísta. Leva-nos a vibrar à vista duma pessoa, com imenso respeito e um certo receio de lhe causar dano ou tirar a sua liberdade. O amor pelo outro implica este gosto de contemplar e apreciar o que é belo e sagrado do seu ser pessoal, que existe para além das minhas necessidades. Isto permite-me procurar o seu bem, mesmo quando sei que não pode ser meu ou quando se tornou fisicamente desagradável, agressivo ou chato. Por isso, do amor pelo qual uma pessoa me é agradável, depende que lhe dê algo de graça” (AL 127).

Portanto, um amor não “belo”, é aquele reduzido à mera satisfação das paixões egoísticas, do consumismo, do utilitarismo e do hedonismo. Por estas vias que ofuscam a beleza do amor, o homem tende a apropriar–se de um outro ser humano, que não é seu, mas pertence a Deus. Esse não é o nosso destino, fomos criados para contemplar e expressar a beleza do amor. Por isso, que na Nova Aliança, São Paulo ao falar de Cristo como novo Adão (1 Cor 15,45), mostra-nos que Ele vem para redimir o homem, renovar aquilo que nele é originalmente dom de Deus, eternamente bom e belo e que constitui o substrato do belo amor. Neste sentido, podemos dizer que “a história do belo amor é, em determinado sentido, a história da salvação do homem” (São João Paulo II). Tudo isto encontra confirmação no mistério da Encarnação, que se tornou, na história dos homens, fonte de uma beleza nova. Cristo com sua doação de si redime ao mesmo tempo o nosso corpo (Rm 8,23). Redimindo-nos, potencializa em nós a capacidade para o “belo amor”. E aqui, quando falamos do “belo amor”, estamos naturalmente nos referindo à “beleza: beleza do amor e beleza do ser humano” que, em virtude do Espírito Santo, é capaz de tal amor.

  1. A IGREJA ENQUANTO GUARDIÃ DA BELEZA DO VERDADEIRO AMOR

Quando falamos da beleza do amor impressa no significado esponsal do corpo, estamos nos referindo também ao que o Papa Bento XVI num discurso ao  Pontifício Instituto para os estudos sobre Matrimônio e Família (2011), a esse respeito também contribuiu assim: “A verdadeira fascinação da sexualidade nasce da grandeza deste horizonte que se abre: a beleza integral, o universo da outra pessoa e do nós que nasce na união, a promessa de comunhão que nela se oculta, a nova fecundidade, o caminho que o amor abre a Deus, fonte do amor”. É dessa beleza integral do amor que a Igreja se tornou guardiã.  Porque é “perita em humanidade”, como disse o Papa São Paulo VI na Encíclica Populorum Progressio (PP), a Igreja está sempre interessada por tudo o que diz respeito ao homem e à mulher, buscando profeticamente anunciar e denunciar toda cultura do descarte, do utilitarismo, do relativismo, enfim, toda lógica argumentativa, prática ou ideológica, contrária à beleza integral do verdadeiro amor, cujo o primeiro celeiro onde é cultivado é a família.

Guardar o amor, significa, portanto, também preservar o projeto original de Deus para família “natural, monogâmica e estável” (PP 36), que por sua natureza é o lugar onde se ensina a perceber as razões e a beleza do verdadeiro amor. Como disse o Papa João Paulo II em 2002 aos Bispos da Conferência Episcopal do Peru por ocasião da visita “ad limina”, “é importante que o projeto cristão de santidade penetre também o amor humano e a convivência familiar. (…) Por isso, é imprescindível que os jovens conheçam a verdadeira beleza do amor, “dado que o amor vem de Deus” (1 Jo 4,7), que amadureçam nele com uma atitude de abnegação e não de egoísmo”. (…) “O futuro de cada núcleo familiar depende deste belo amor: amor recíproco dos cônjuges, dos pais e dos filhos, amor de todas as gerações. O amor é a verdadeira fonte da unidade e da força da família” (Cartas às Famílias de SJPII).

Por fim, o Papa Francisco, na mesma esteira nos acrescenta que a Família é por sua natureza o lugar da beleza do amor se manifestar. “Na família amadurece a primeira experiência eclesial da comunhão entre as pessoas, na qual, por graça, se reflete o mistério da Trindade. (…) A beleza do dom recíproco e gratuito, a alegria pela vida que nasce e a amorosa solicitude de todos os seus membros, desde os pequeninos aos idosos, são apenas alguns dos frutos que tornam única e insubstituível a resposta à vocação da família” (AL 88).

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