A Leitura e a Interpretação Eclesial da Sagrada Escritura de Bento XVI (parte II) | Paulus Editora

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Teologia

04/11/2018

A Leitura e a Interpretação Eclesial da Sagrada Escritura de Bento XVI (parte II)

Por Rudy Assunção

Um critério hermenêutico fundamental para Bento XVI é o seguinte: a Bíblia não é um livro de oração privada somente e o indivíduo não é senhor dela; não é possível recorrer a um “livre-exame” de cariz protestante para o católico; a seguir veremos isso mais claramente, mas Bento XVI já recorda que a leitura e igualmente a oração com a Sagrada Escritura exigem uma companhia, uma guia e uma interpretação autorizada: ela reclama testemunhas, que o próprio Cristo e o Seu Espírito colocaram à disposição da Igreja. Bento XVI faz a lista destas testemunhas, que elenco a seguir.

Uma interpretação apoiada nos Padres, nos Santos e no Magistério da Igreja

a) Os Padres da Igreja, escritores eminentes dos primeiros séculos da Igreja, aos quais Bento XVI dedicou inúmeras catequeses e discursos[1]. Em 2010, na Exortação Apostólica Pós-Sinodal Verbum Domini sobre a Palavra de Deus, o mais importante documento do seu pontificado sobre o tema, Bento XVI dizia que “um significativo contributo para a recuperação de uma adequada hermenêutica da Escritura provém de uma renovada escuta dos Padres da Igreja e da sua abordagem exegética.Com efeito, os Padres da Igreja oferecem-nos, ainda hoje, uma teologia de grande valor, porque no centro está o estudo da Sagrada Escritura na sua integridade. De fato, os Padres são primária e essencialmente ‘comentadores da Sagrada Escritura’.O seu exemplo pode ‘ensinar aos exegetas modernos uma abordagem verdadeiramente religiosa da Sagrada Escritura, e também uma interpretação que se atém constantemente ao critério de comunhão com a experiência da Igreja, que caminha através da história sob a guia do Espírito Santo’”[2].

b) Os Santos e as Santas[3]. Em uma catequese sobre a santidade Bento XVI recordava-nos que “dia após dia a Igreja oferece-nos portanto a possibilidade de caminhar em companhia dos santos. Hans Urs von Balthasar escrevia que os santos constituem o comentário mais importante ao Evangelho, uma sua atualização na vida quotidiana e, por conseguinte, representam para nós um verdadeiro caminho de acesso a Jesus. O escritor francês Jean Guitton descrevia-os ‘como as cores do espectro em relação à luz’, porque com as suas próprias tonalidades e matizes cada um deles reflete a luz da santidade de Deus. Portanto, como é profícuo e importante o compromisso de cultivar o conhecimento e a devoção dos santos, juntamente com a meditação diária da Palavra de Deus e com um amor filial a Nossa Senhora!”[4].

c) Há, ainda, o Magistério da Igreja, como indispensável guia para uma leitura não arbitrária da Escritura. Em sua segunda catequese sobre o padroeiro dos biblistas, celebrado a 30 de setembro, Bento XVI recordava o que era para ele um dos princípios fundamentais da hermenêutica bíblica verdadeiramente católica: “Para Jerônimo um critério fundamental de método na interpretação das Escrituras era a sintonia com o magistério da Igreja. Nunca podemos sozinhos ler a Escritura. Encontramos demasiadas portas fechadas e facilmente caímos no erro. A Bíblia foi escrita pelo Povo de Deus e para o Povo de Deus, sob a inspiração do Espírito Santo. Só nesta comunhão com o Povo de Deus podemos realmente entrar com o ‘nós’ no núcleo da verdade que o próprio Deus nos quer dizer. Para ele uma interpretação autêntica da Bíblia devia estar sempre em concordância harmoniosa com a fé da Igreja católica. Não se trata de uma exigência imposta a este Livro a partir de fora; o Livro é precisamente a voz do Povo de Deus peregrino e só na fé deste Povo temos, por assim dizer, a tonalidade justa para compreender a Sagrada Escritura. Por isso Jerônimo admoestava: ‘Permanece firmemente apegado à doutrina tradicional que te foi ensinada, para que tu possas exortar segundo a tua sã doutrina e contrastar quantos a contradizem’(52, 7). Em particular, dado que Jesus Cristo fundou a sua Igreja sobre Pedro, cada cristão concluía ele deve estar em comunhão ‘com a Cátedra de São Pedro. Eu sei que sobre esta pedra está edificada a Igreja’ (Ep. 15, 2). Consequentemente, sem meios-termos, declarava: ‘Eu estou com todo aquele que estiver na Cátedra de São Pedro’ (Ep. 16)”[5]. Por isso, as encíclicas e outros documentos papais, exortações sinodais e, sobretudo, “os textos do Concílio Vaticano II e o Catecismo da Igreja Católica são os instrumentos essenciais que nos indicam, de maneira autêntica, aquilo que a Igreja acredita a partir da Palavra de Deus”[6].

 

[1] Há várias edições disponíveis no Brasil: Os Padres da Igreja: de Clemente Romano a Santo Agostinho, Pensamento, São Paulo, 2010; Paulus, São Paulo; 2012. E também: Padres da Igreja I. De Clemente Romano a Agostinho, Ecclesiae, Campinas, 2012 e Os Padres da Igreja II. São Leão Magno a São Bernardo de Claraval, Ecclesiae, Campinas, 2013. E, ainda: Os Padres da Igreja. De São Clemente Romano a Santo Eusébio de Vercelli, vol. 3, Edições CNBB, Brasília 2012.

[2] N. 37.

[3] Cf. BENTO XVI, Catequeses sobre os Santos, Campinas, Ecclesiae, 2016.

[4] Id., Audiência geral, 20 de agosto de 2008.

[5] Id., Audiência geral, 14 de novembro de 2007.

[6] Id., Homilia na Santa Missa Crismal, 5 de abril de 2012.

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