A Igreja Católica e a Defesa dos Valores Inegociáveis no Debate Público: O Olhar de Bento XVI (II) | Paulus Editora

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Teologia

31/07/2018

A Igreja Católica e a Defesa dos Valores Inegociáveis no Debate Público: O Olhar de Bento XVI (II)

Por Rudy Assunção

Para a Igreja, há valores que não são negociáveis e que não estão submetidos ao critério do gosto ou da vontade da maioria. E é para defendê-los que ela entra no debate político. O Papa Bento XVI de lembrar compromisso eclesial inescapável neste âmbito: “No que se refere à Igreja Católica, o interesse principal das suas intervenções no campo público é a tutela e a promoção da dignidade da pessoa e, por conseguinte, ela chama conscientemente a uma particular atenção aos princípios que não são negociáveis. Entre eles, hoje emergem os seguintes:  tutela da vida em todas as suas fases, desde o primeiro momento da concepção até à morte natural;  reconhecimento e promoção da estrutura natural da família, como união entre um homem e uma mulher baseada no matrimônio, e a sua defesa das tentativas de a tornar juridicamente equivalente a formas de uniões que, na realidade, a danificam e contribuem para a sua desestabilização, obscurecendo o seu caráter particular e o seu papel social insubstituível; tutela do direito dos pais de educar os próprios filhos. Estes princípios não são verdades de fé mesmo se recebem ulterior luz e confirmação da fé. Eles estão inscritos na natureza humana e, portanto, são comuns a toda a humanidade”[1]. Estes não são valores confessionais. São naturais, pois defensáveis por qualquer um que se atenha à razão natural. São valores da Igreja somente na medida em que ela se sente guardiã deles.

A vida está nas mãos de Deus

Bento XVI, aproveitando a ocasião da Jornada pela Vida celebrada na Itália todos os anos, fazia eco aos bispos italianos ao reafirmar “o dever prioritário de ‘respeitar a vida’, porque se trata de um bem ‘indispensável’, o homem não é dono da vida; mas simplesmente quem a preserva e administra. E sob a primazia de Deus nasce automaticamente esta prioridade de administrar, de preservar a vida do homem, criada por Deus. Esta verdade que o homem é o guarda e o administrador da vida constitui um ponto qualificante da lei natural, plenamente iluminado pela revelação bíblica. Ele apresenta-se hoje como ‘sinal de contradição’ em relação à mentalidade dominante”[2].

De fato, quando excluímos o Senhor da Vida, o homem quer se tornar ele mesmo senhor da vida, querendo dispor dela – para usá-la ou descartá-la – segundo critérios ideológicos, pragmáticos, econômicos. “De fato, verificamos que, apesar de haver em sentido geral uma ampla convergência sobre o valor da vida, contudo quando se chega a este ponto, duas mentalidades opõem-se de maneira inconciliável. Para nos expressarmos em termos simplificantes, poderíamos dizer: uma das duas mentalidades considera que a vida humana esteja nas mãos do homem, a outra reconhece que ela está nas mãos de Deus. A cultura moderna enfatizou legitimamente a autonomia do homem e das realidades terrenas, desenvolvendo assim uma perspectiva querida ao Cristianismo, a da Encarnação de Deus. Mas como afirmou claramente o Concílio Vaticano II, se esta autonomia leva a pensar que ‘as coisas criadas não dependem de Deus, e que o homem as pode usar sem as relacionar com o Criador’, então dá-se origem a um desequilíbrio profundo, porque ‘a criatura sem o seu Criador perde o sentido’ (Gaudium et spes, 36). É significativo que o documento conciliar, no trecho citado, afirme que esta capacidade de reconhecer a voz e a manifestação de Deus na beleza da criação seja característica de todos os crentes, seja qual for a religião a que pertencem.

Disto podemos concluir que o respeito pleno da vida está ligado ao sentido religioso, à atitude interior com a qual o homem se coloca em relação à realidade, se se considera dono ou preservador. De resto, a palavra ‘respeito’, deriva do verbo latino respicere-guardar, e indica o modo de ver as coisas e as pessoas que conduz a reconhecer nelas a consistência, a não se apropriar delas, e a respeitá-las, ocupando-se delas. Em última análise, se as criaturas forem privadas da sua referência a Deus, como fundamento transcendente, elas correm o risco de estar à mercê do livre arbítrio do homem que pode dispor delas como vemos, fazendo delas um uso desatinado”[3].

O Papa alemão nos ensina a olhar o mundo com os olhos de Deus. A olhar a vida com a veneração, com o amor e o cuidado daqueles que se sabem agraciados com um valor e uma grandeza que nos escapam, pois vem de um Outro.

[1] BENTO XVI, Discurso aos participantes no Congresso promovido pelo Partido Popular Europeu, 30 de março de 2006.

[2] Id., Homilia durante a visita à Paróquia de Santa Ana no Vaticano, 5 de fevereiro de 2006.

[3] Ibid.

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