A DIACONIA DA REDENÇÃO: o serviço de Cristo em favor dos homens | Paulus Editora

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07/06/2019

A DIACONIA DA REDENÇÃO: o serviço de Cristo em favor dos homens

Por Jerônimo Lauricio

“Na casa de meu Pai há muitas moradas, vou preparar-lhes um lugar…” (Jo 14, 6). À Luz da nossa última reflexão, “DIACONIA: uma breve introdução bíblica sobre a dimensão do serviço cristão”, podemos considerar que esse “preparar” se converte de certo modo, em sinônimo daquela diaconia, por meio do qual o próprio Cristo vem ao mundo para servir os homens e nos indicar o caminho a ser seguido. Mas, afinal o que é e como se realiza o serviço de Cristo?

  1. O SERVIÇO DE CRISTO É REDIMIR TODA OBRA DIVINA

Meu pai trabalha até agora e eu também trabalho” (Jo 5, 17) “Eu, porém, estou no meio de vós como aquele que serve” (Lc 22, 27). Há muitas interpretações sobre essas palavras de Cristo. Alguns exegetas veem sobretudo nessa última, o serviço no sentido literal da palavra como alguém que serve a mesa e lava os pés (Jo 13, 4-10). Mas ambas quer falar primariamente sobre o serviço único do próprio Cristo, isto é, sobre o serviço do Senhor à humanidade e toda a criação. O seu serviço é redentor, como nos ensina São João Paulo II em sua Encíclica Redepmtor Hominis. Essa redenção se dá tanto no mundo, quanto no próprio homem.

 Para entendemos o Serviço de Cristo, enquanto redentor da criação, precisamos lançar nosso olhar para “o princípio”, onde Deus ao criar o mundo e o homem transbordou de si mesmo um dos mais belos atos de serviço e bondade. Como Criador, Deus do nada chamou tudo à existência. “Criou-nos por livre e desinteressado amor. Criou-nos a partir do excesso do Seu amor” (YOUCAT 2). Interessante é que o termo hebraico “bará” = criou, usado no gênesis tem um sentido teológico e espiritual muito forte. É exclusivamente atribuído para determinar a ação de Deus. Aparece na narrativa do capítulo 1 ° só no versículo 1 (criação do céu e da terra), no versículo 21 (criação dos animais) e no versículo. 27 (criação do homem). Contudo, nesse último ato criador, o termo surge nada menos que três vezes (Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus Ele o criou, homem e mulher Ele os criou). O que significa que a plenitude e a perfeição do ato criador de Deus é a criação do homem, macho e fêmea. Tal repetição indica que a obra da criação atingiu nisto o seu ponto culminante. “Deus viu tudo o que tinha feito e considerou que era muito bom” (Gn 1, 31). Se seguimos olhando a narrativa da criação, vemos que o autor sagrado faz questão de repetir também 3 vezes (Gn 2, 2-3) o termo hebraico “melakah” = obra, trabalho, serviço. Finalmente, Deus conclui e descansa de toda sua obra, logo após de já tê-la confiada ao homem (cf Gn 1, 28-31). Aliás, “em toda obra da criação, só dele se pode dizer que foi beneficiado como um dom: o mundo foi criado para ele. A criação é um serviço de doação fundamental e radical, quer dizer, doação em que o dom surge precisamente do nada” (TdC 13, 4).

Deus serviu ao homem e à mulher, cuidou deles, os abençoou e os chamou a colaborarem com Seu serviço. Mas por causa da queda original essa harmonia original foi quebrada e eles de algum modo repudiaram esse serviço. Cristo então vem reparar essa falta. “Ele é o Redentor do mundo! N’Ele se revelou de um modo novo, de maneira admirável, aquela verdade fundamental respeitante à criação que o Livro do Gênesis atesta quando repete mais de uma vez: Deus viu que as coisas eram boas. Em Jesus Cristo, o mundo visível, criado por Deus para o homem — aquele mundo que, entrando nele o pecado, foi submetido à caducidade, readquire novamente o vínculo originário com a mesma fonte divina da Sapiência e do Amor. Assim como no homem-Adão este vínculo foi quebrado, assim no Homem-Cristo foi de novo reatado” (RH, 8). Como nos ensina Paulo em sua Carta aos Colossenses, sobre o primado de Cristo: “Nele foram criadas todas as coisas, nos céus e na terra… Tudo foi criado por Ele e para Ele, pois n’Ele aprouve a Deus fazer habitar toda a Plenitude e reconciliar por Ele e para ele todos seres, os da terra e os dos céus” (Col 1, 16.19-40).

  1. O ÁPICE DO SERVIÇO DE CRISTO É A REDENÇÃO DO HOMEM

“O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em redenção por muitos” (Mc 10, 45). Para compreendermos a profundidade do serviço redentor de Cristo, precisamos de algum modo lançar nosso olhar para um trecho da Carta de São Paulo aos Filipenses (cf. 2, 6-11). Nela está contido um hino a Cristo que nos apresenta como que uma síntese completa do mistério salvífico do seu serviço em favor dos homens. Poderíamos chamar essa síntese de “kênosis progressiva”: a encarnação, o esvaziamento e obediência e a morte humilhante de cruz. Paulo usa, a este propósito, um verbo grego muito expressivo para indicar a Kênosis, a descida de Jesus. O verbo grego “kenou”, “se esvaziou”, literalmente significa “tirar algo de um recipiente até que fique vazio” ou “derramar algo até que não fique nada”. Daí, Kênosis significa, portanto, o “esvaziamento, despojamento, aniquilamento” de Cristo em favor da redenção do homem.

Dito de um modo mais simples, porém igualmente profundo, Jesus nasceu numa manjedoura, cresceu numa carpintaria e morreu numa cruz.  Ele voluntariamente abriu mão de seus direitos; se esvaziou; serviu; se tornou em semelhança de homens e por fim se sacrificou. O Catecismo nos ensina que “toda a vida de Cristo é mistério de Redenção” (CIC 517). Mais ainda, Cristo viveu por nós e por nossa salvação. “Toda a riqueza de Cristo é destinada a cada homem e constitui o bem de cada um. Cristo não viveu sua vida para si mesmo, mas para nós, desde sua Encarnação, por nós homens e por nossa salvação até sua morte e ressurreição para nossa justificação” (CIC 519).

Pela a Encarnação do Verbo, Deus vem ao mundo, torna-se homem, e como homem (criatura) se torna servo para dar a sua vida em resgate de muitos. “O Verbo Divino se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1, 14 a). Ele se encarnou para que o gênero humano fosse redimido e divinizado. Assim, em Cristo, de certa maneira, Deus serve ao homem, se coloca a serviço da sua salvação. Mais ainda: com o Verbo feito carne, nos é revelado com plenitude o sentido do serviço oculto na Paternidade Divina. Jesus nos revela que Deus não é apenas o “Criador” por excelência, mas o bom “Pai” do céu que olha para os seus filhos na terra (Cf. Mt 3, 17; Mt 6, 9-13; Mc 9, 2-10).

O pecado original é bem verdade que tentou abolir essa Paternidade de Deus sobre nós. A esse respeito, o Papa São João Paulo II nos explica em uma das suas Catequeses da Teologia do Corpo que “o homem no princípio, voltou as costas ao Pai e em certo sentido o pôs para fora do próprio coração” (TdC 26, 4). Todavia, em Cristo, o “homem histórico” pode se voltar novamente para Deus e chamá-lo de Pai. “Quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido debaixo da Lei, a fim de redimir os que estavam sob a Lei, para que recebêssemos a adoção de filhos” (Gl 4, 4-5). Essa é uma grande graça. Nos atesta São João que “como é grande o amor que o Pai nos concedeu: sermos chamados filhos de Deus, o que de fato somos!” (I Jo 3, 1). Como é maravilhoso, e ao mesmo tempo surpreendente, este mistério! Nunca podemos meditar suficientemente esta realidade.

No serviço redentor de Cristo, Ele “despojou-se a si mesmo” assumindo a miséria e a frágil condição humana. Obedeceu ao Pai em tudo até à morte e a morte que Ele enfrentou, acrescenta São Paulo foi a de cruz, por ser a mais humilhante e degradante que se pudesse imaginar. (cf Fl 2, 8). Por sinal, a crucifixão era a pena reservada aos escravos (servos) e não às pessoas livres. Até nesse aspecto fica evidente a Diaconia da Redenção. Por meio dela, Cristo recapitula em si mesmo o “serviço e o domínio”. É Senhor e, ao mesmo tempo Servo. Até o fim, Ele nos ensina a distinção entre servir por justiça e servir por amor. O primeiro serviço significa sempre dependência e subordinação. Enquanto o serviço por amor ressalta a soberania da pessoa, sua “realeza”: servir a Deus significa “reinar”. Por isso, precisamente pela obediência à vontade do Pai até à Cruz, na segunda parte deste “hino cristológico” da Carta aos Filipenses, o apóstolo Paulo faz o que poderíamos chamar de síntese da “exaltação progressiva”: “Deus soberanamente o elevou e lhe conferiu o nome que está acima de todo nome, a fim de que ao nome de Jesus todo joelho se dobre nos céus, na terra e toda língua proclame que Jesus Cristo é o Senhor para a Glória de Deus Pai” (Fl 2, 9-11).

Por fim, podemos dizer que toda vida de Cristo é uma flecha apontada para o amor que se realiza servindo. Esse é o caminho a ser seguido pelos cristãos. Bem tinha razão o escritor russo, Fíodor Dostoiévski: “um AMOR QUE SERVE é uma força enorme. Nada se lhe compara”. É dessa força redentora que o mundo carece e é nela que a Igreja se realiza e transborda.

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