Sociedade da Informação? | Paulus Editora

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Comunicação

20/03/2014

Sociedade da Informação?

Por Jakson F. de Alencar

Dentre os ufanismos tecnológicos do mundo atual está a ideia de que vivemos na era da informação. Primeiro os norte-americanos inventaram o conceito de “auto-estradas da informação”; os europeus alargaram o conceito para “sociedade da informação e do conhecimento”. Ambos os conceitos são motivados pelo avanço e aprofundamento das tecnologias dA comunicação e pela revolução digital. Fala-se também de “cidades inteligentes”, que consiste nos mapeamentos das cidades em tecnologias digitais, com o acréscimo de camadas e camadas de informação sobre os lugares, edifícios, monumentos, etc. É verdade que as novas tecnologias da comunicação abrem enormes possibilidades de informação, de compartilhamento e de acesso ao conhecimento. Mas esses conceitos carregam uma boa dose de ufanismo e de crença exagerada nas tecnologias. será que estamos realmente da informação e o do conhecimento? Será que com eles não se desconsidera a capacidade de conhecimento e de cultura de outras épocas e mesmo da atualidade? Não é demais lembrar uma frase atribuída à Fernando pessoa: “metade de mim delira, metade de mim pondera”. As possibilidades abertas pelas tecnologias faz as pessoas “delirarem”, mas se faz necessário colocar os pés no chão e ponderar.

Em todas as épocas houve uma tendência geral a confundir as próprias técnicas com o uso que se faz delas. Voltando à era dos ditadores e das guerras mundiais podem-se encontrar pensamentos similares aos ufanismos tecnológicos de hoje. Henry Ford disse que carros e aviões foram “unindo o mundo”. Martin Heidegger disse que “tudo é igualmente distante e igualmente próximo”. George Orwell ficou tão irritado com tudo isso que escreveu um ataque contra toda a conversa então em moda sobre a abolição da distância e do desaparecimento das fronteiras, e isso foi em 1944, quando Adolf Hitler estava avançando com sua própria abordagem sobre o achatamento do mundo.

As tecnologias digitais e a internet são meios, ferramentas, podem até fazer algumas coisas quase “mágicas”, mas não fazem magia. Elas dependem dos usos que se fazem delas. A Internet possibilita a abertura da maior biblioteca do mundo, dentro da casa de cada pessoa, mas também pode nos conectar a todas as superficialidades e desinformações mais atuais e aos piores lixos culturais e ideológicos produzidos pela humanidade, disponíveis na tela, ao alcance de um simples clique. Também oferece possibilidades crescentes de controle verticalistas sobre as mais diversas esferas de difusão da informação e do entretenimento e, parafraseando Marx, tornou-se também um novo ópio de boa parte das pessoas, que passam horas em bate-papos sobre efemeridades, videojogos, pornografia, consumindo on-line e até mesmo acessando informações e conhecimento. Mesmo com os computadatores mais potentes e as conexões mais velozes e uma ampla miríade de redes sociais digitais, abunda ignorância nessas redes. No facebook, por exemplo são partilhadas milhões e milhões de mensagens com lixo informativo, coisas que pouco ou nada acrescentam, terríveis mensagens facistoides, convocações de “marcha com Deus pela família e pela propriedade e contra o comunismo” e muitas coisas nessa esfera por gente que parece nunca ter aberto um livro qualquer de história na vida e muito menos bons e confiáveis livros dessa área ou de qualquer outra área. Também o açodamento de ler as últimas coisas postadas, assistir o último filme, se inteirar sobre o último beste-seller, acompanhar os passos das celebridades do momento, ouvir os últimos “lepos lepos” lançados pela indústria do entretenimento, pode simplesmente nos conectar e nos manter no que há de mais superficial na cultura e no conhecimento.
Canais de informação 24 horas, como a CNN, podem simplesmente passar o tempo todo destilando os interesses e as ideologias de determinado país, como este canal faz em relação ao EUA. Milhões de jornais e revistas impressas e sites da Internet podem ficar no mesmo. Como vemos todos os dias, é muito possível as pessoas terem acesso a todas essas coisas e continuarem repetindo slogans superficiais e ideológicos sobre a realidade. Enquanto isso muita informação importante e esclarecedora e abafada, silenciada, distorcida; zonas enormes do mundo permanecem desconectadas e invisíveis para essas tecnologias todas e para quem as acessa. Assim como, mesmo nos lugares de maior e melhor acesso, muito continua no esquecimento e no desconhecimento ou é abafado.

Não nos esqueçamos também que a herança cultural se espalha e é acessada há séculos por outras formas de interação, que permanecem sendo importantes. A cultura e as tradições do povo continuam agindo. Não nos esqueçamos também que muitas tradições culturais muito anteriores a nós foram também sociedades da informação e do conhecimento, inclusive culturas que se transmitiam mais oralmente que por escrito, como os sumérios, egípcios, gregos e romanos . Sócrates, o principal personagem de seu tempo e um dos filósofos mais citados de toda a história, jamais escreveu uma única linha. As cidades já são inteligentes desde que surgiram, criando meios de vida, de convivência, de habitação, interação, economia e adaptando-se ao ambiente local. Não passaram a ser inteligentes com os smarthphones. Essas é uma etapa na evolução histórico-cultural, que cria novas possibilidades e que, inclusive, se serve dos conhecimentos anteriores.

Portanto, é necessário ponderação em relação aos ufanimos e “delírios” sobre as novas tecnologias. Estar atentos para não acreditar piamente em tudo o que circula pela Internet e para não ficar preso apenas ao que há de mais superficial na cultura. Usar essas tecnologias para se aprofundar, usufruir das possibilidades que elas abrem para isso. O conhecimento continua implicando também leituras mais completas e aprofundadas, por exemplo, em um bom livro; implica ouvir e ler com atenção, saber fazer relações e tirar as próprias conclusões. Sem isso a enorme soma de cosias disponíveis nas redes e nas telas é algo meramente quantitativo . A Internet não é um fim, mas s um meio, um poderoso meio para que a espécie humana continue a desenvolver uma das melhores capacidades que a natureza lhe outorgou: saber pensar.

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