Essa é uma das mais famosas frases da literatura universal criada por William Shakespeare (1564-1616) na peça Hamlet. É a história dramática de um príncipe que encontra o fantasma de seu pai que grita por vingança contra seu próprio assassinato, pelas mãos de seu irmão. O jovem, mergulhado em profunda tristeza planeja o revide. Skakespeare com maestria nos coloca diante das reflexões do príncipe, seu drama de consciência, sua angústia por ser responsável por seus atos livres: vingar ou não seu pai!
É interessante notar como a arte antecipou o movimento filosófico existencialista em mais de 2 séculos com filósofos como Heidegger, Sartre e Merleau-Ponty. Não podemos deixar de falar de Kierkegaard que em 1844, escreveu um livro intitulado: ‘O conceito de angústia’.
Nesta mesma linha de raciocínio, podemos considerar aqui, de uma maneira breve, a contribuição de três filósofos: Martin Heidegger, Emmanuel Levinas e Enrique Dussel. Um alemão, um francês e um argentino.
De fato, foi com Heidegger que a questão levantou-se de forma diferente. Em 1927 publica sua obra-prima Ser e Tempo.
1) Para Heidegger o homem é o Dasein, termo alemão que significa literalmente : ‘o estar aí’ do ser (o ser-aí no tempo). É aquele ente capaz de perceber o ser em tudo que o circunda, inclusive nele próprio, e por isso, aquele que propõe a pergunta fundamental: qual é seu sentido: – porque isso existe? Além disso, o homem como ser-aí, jamais é uma pura e simples presença do ser, como um objeto qualquer do mundo, porque ele é aquele ente para o qual as coisas estão presentes. Caracteriza-se pela existência: existir (ek-sistere) é estar fora de si, (de fato, ek, é uma preposição da língua grega que indica um movimento para fora, como de um lançamento) é não ser simplesmente aquilo que se é mas, aquilo que se pode ser. Neste sentido o Dasein é sempre um projeto de ser e os objetos que fazem parte de seu mundo, são utensílios a favor deste projetar humano.
Outra característica fundamental do Dasein (ser-aí) é de ser-no-mundo. O homem está-no-mundo envolvido pelas coisas de seu interesse, sejam elas necessárias ou não ao seu projeto de vida e de mundo. O ser das coisas só faz sentido ao serem utilizadas, transformadas ou destruídas pelo homem em virtude de seu projeto. Nesta tarefa árdua por ser, por assumir sua existência, descobre-se finito, contingente e principalmente um ser que inspira cuidado, seja para com as coisas ou pessoas. O ser-no-mundo também é o ser-com-os-outros.
2) A partir deste ponto, uma nova reflexão primordial floresce. Emmanuel Levinas é um pensador francês, de família judaica praticante que feito prisioneiro por cinco anos pelos nazistas, inspirado na Bíblia e no Talmud, renova a compreensão da ética e da alteridade. De fato, Levinas, influenciado por Heidegger e Husserl (outro filosofo, porém da corrente filosófica conhecida como fenomenologia), percebe que a Alteridade (o outro) não é apenas uma categoria filosófica. Antes de tudo, é uma presença irredutível que evidencia, através de seu rosto, um apelo: –‘Não matarás’!.
A filosofia que se empenhou por reduzir a experiência concreta a um pensamento sistêmico fechado que explica todas as coisas, acredita que não tem nada a aprender do outro, do diferente de si mesmo. Esse tipo de pensamento situa todos os homens e cultura como entes interpretáveis, como ideias conhecidas, como mediações da compreensão do ser. O ser é, o não ser não é, segundo Parmênides. Assim o ser grego é, o não ser grego (o bárbaro, o estrangeiro, a mulher e a criança) não é; o ser europeu é, e o não europeu (índio, negro, subdesenvolvido, analfabeto, etc.) não é. Existe uma armadilha no pensamento clássico que através da pergunta sobre o ser, encoberta a existência de outrem, aquele que está fora do horizonte de interpretação vigente, do sistema.
3) Enrique Dussel estende a reflexão para a realidade geo-política, por onde interpreta a história mundial que vem se desenvolvendo justificando a opressão do bárbaro das outras culturas que não a dos impérios e civilizações, que por antecedência, desenvolveram esta lógica: o ser é, é o que se vê e se controla: ‘o mesmo é ser e pensar’. ´
Sustenta nas oito Conferências de Frankfurt por ocasião dos 500 anos da América Latina, que a primeira experiência moderna foi a da superioridade do EU europeu sobre o Outro primitivo. Este Ego Conquiro (eu conquisto) violento-militar que cobiça, deseja riqueza, poder e glória, será por antecedência pratica o Ego Cogito cartesiano. Fernando Cortês, em 1521 quando conquista a principal cidade do império asteca (Tenochtitlán), antecede o Discurso do Método de Renê Descartes (1636) em mais de um século. Conquiro, ergo sum é o mesmo que cogito, ergo sum (conquisto ou penso, logo sou… europeu).
Ser ou não ser, eis uma questão que não deve restringir-se a um mero conjunto de ideias pretensamente sábias e sublimes, para entendidos e fora da realidade. É uma questão que toca a existência concreta de todo ser humano.
Seguindo a intuição de Shakespeare, percebemos como é uma questão angustiante, que provoca uma crise de consciência, um ato de julgamento sobre as consequências de nossas atitudes. Com Heidegger, descobrimos uma questão de cuidado, haja vista a preocupação do homem em ocupar-se das coisas a sua volta em razão de seu projeto de ser. Em Levinas, uma questão de vida e de morte. O outro é aquele rosto que apela: não me mate! A ética, precede toda filosofia ou pretensa sabedoria. Já com Dussel, uma questão que pode ser usada para justificar a dominação sobre os mais vulneráveis que se encontram na periferia do mundo (países subdesenvolvidos), da civilização européia (indígenas), da economia liberal (pobres sem poder de consumo), etc.
Ser ou não ser, eis a questão!