Trajetória sócio-histórica e legal frente a infância e adolescência no Brasil

11/04/2025

Por Flaviana Aparecida de Mello

Por Flaviana Aparecida de Mello1

Este breve artigo é fruto da formação intitulada: “Combate à violência doméstica contra crianças e adolescentes” desenvolvida pela PAULUS Social no ano de 2025.  Tem o objetivo de realizar reflexões acerca dos direitos de crianças e adolescentes, a serem protegidos de qualquer forma de opressão, negligência e demais formas de violência.Importa fazer um breve resgate sócio-histórico para compreendermos o que tivemos de intervenções frente à infância e adolescência no país, para então chegarmos no patamar contemporâneo. Até o início do século XX, o Brasil não possuía qualquer aparato legal, normativo e interventivo frente as demandas e necessidades das crianças e adolescentes, apenas destacamos a “Roda dos Expostos ou Roda dos Enjeitados” que segundo Freitas (2003), quase por século e meio a roda de expostos foi praticamente a única instituição de assistência à criança abandonada em todo o Brasil. Tendo sido extintas com a chegada do século XX, que por sua vez, se fazia necessário o Estado criar mecanismos legais e normativos de atenção à infância. Assim, na década de 1920, se promulgou a 1ª legislação em face à infância no Brasil – denominada de 1º Código de Menores2, que recebeu o nome de Mello Mattos em homenagem ao jurista responsável por esse 1º código, José Candido de Mello Matos. Anos depois, na década de 1940 criou-se o SAM3 que, foi extinto após a criação da FUNABEM4 que regulamentava as FEBENS5, implementada por meio de lei no ano de 1964. E no ano de 1979 foi promulgado o 2º Código de Menores. Tanto o Código Mello Mattos quanto o 2º Código de Menores eram regidos pela doutrina da situação irregular; o poder de decisão da vida dos “menores” era centralizado na decisão apenas do juiz. O SAM e FUNABEM/FEBENS tinham o mesmo intento, ou seja, atender aos menores carentes e abandonados, em uma lógica de higienização social, de ajustamento moral das famílias sem recursos financeiros, tendo a institucionalização como a única forma de atenção aos “menores”. Toda essa situação passa a ter outro ordenamento após luta de movimentos sociais em destaque: pastoral do menor (igreja católica), movimento nacional de meninos e meninas de rua, entre outros que denunciavam a grave violação aos direitos da infância no Brasil e que se fazia necessário um novo olhar. Após o fim oficial do regime civil militar no Brasil, tivemos a nova Constituição Federal em 1988 que traz um novo paradigma para a infância no Brasil, considerando a criança e o adolescente como sujeito em desenvolvimento e rompendo com a doutrina da situação irregular e enfatizando a doutrina da proteção integral. Com efeito, destacamos o seu artigo 227 a informação que nenhuma criança deverá ser objeto de qualquer forma de violação, negligência, crueldade e opressão, e enfatiza sobre a responsabilidade no processo de cuidado e educação, no qual informa que a responsabilidade é da família, do Estado e de toda a sociedade, zelar e garantir para que crianças e adolescentes se desenvolvam em ambiente livre de quaisquer situações de violência.

Podemos analisar que esse artigo constitucional deu embasamento para que, após dois anos, pudéssemos ter o Estatuto da Criança e do Adolescente – lei 8069/1990 – que de fato assegurou as necessidades vitais ao desenvolvimento pleno de crianças e adolescentes no Estado brasileiro. A partir do seu artigo 5º: nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais. Passamos a ter o indicativo da necessidade de se implementar e implantar mecanismos de enfrentamento às variadas formas de violência. Sendo assim, no ano 2000 tivemos a lei 9.970 que instituiu a data de 18 de maio como o Dia Nacional de Combate ao Abuso Sexual e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes em alusão a brutal violência sofrida por Araceli Cabrera Sánchez Crespo, desaparecida, violentada, drogada e brutalmente assassinada em Vitória–ES em 18 de maio de 1973. No âmbito da assistência social, tivemos o Serviço Sentinela, especializado em atender crianças e adolescentes em situação de abuso e exploração sexual, que em 2009, com a criação dos CREAS6, passa a incorporar o PAEFI7. Temos também no âmbito da saúde pública, a partir de 2002, a notificação compulsória para os casos de violência. Os serviços especializados da política de assistência social atendem variadas formas de violência doméstica perpetrada contra criança e adolescente, destacamos: violência física, sexual, psicológica, abandono, negligência8. Atualmente, os casos de suspeita e/ou confirmação chegam aos serviços, ou pelos conselhos tutelares, sistema de justiça, disque 100 etc.

É importante considerarmos que ao analisarmos essa trajetória sócio-histórica frente as demandas da infância no Brasil, percebemos que por séculos essa importante fase do desenvolvimento humano foi invisibilizada, e, somente após a nova Carta Magna, que passamos a ter mudanças frente a infância e adolescência no Brasil. É fundamental ainda destacarmos que temos mecanismos de denúncias como: disque 100, além dos Conselhos Tutelares, Promotorias de Justiça, Delegacias entre outros. 

 Contudo, urge a necessidade de educação e orientação (tanto na educação formal como na educação não formal) para as crianças e adolescentes saberem identificar as violências e como poder pedir ajuda. Além disso, trabalhar no sentido educativo com as famílias e responsáveis sobre as violências e distingui-las de “atos de educação” com o compromisso na desconstrução das formas de violência na educação familiar.  E, por fim, profissionais que atuam em serviços de proteção social à criança e adolescente necessitam ter formação continuada e uma postura ética, acolhedora, imparcial e despidos de qualquer julgamento moralista frente à situação de violação de direitos.


1Assistente social, Mestra em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Formadora da PAULUS, professora com experiência em graduação, pós-graduação, formação e extensão. Servidora pública na Prefeitura Municipal de São Paulo. E-mail: [email protected] – Lattes: http://lattes.cnpq.br/2189659158769712.

2Menor/menores – termo pejorativo, estigmatizante, que indica anormalidade e marginalidade em desuso na contemporaneidade, mas que à época era usado para se referir à infância e adolescência no Brasil.

3Serviço Nacional de Assistência a Menores.

4Fundação Nacional do Bem-estar do Menor no âmbito nacional.

5Fundação Estadual do Bem-estar do Menor.

6Centro de Referência Especializado da Assistência Social. 

7Serviço de Proteção e Atendimento Especializado a Famílias e Indivíduos.

8Entender primeiro o contexto social, econômico da família para fazer uma análise crítica se de fato é negligência ou desproteção social por parte do Estado.

REFERÊNCIAS

AZEVEDO. Maria Amélia, GUERRA. Viviane N. de A. (Orgs.) Infância e violência doméstica: fronteiras do conhecimento. 6ª edição. São Paulo Cortez, editora – (2011).
BRASIL. Lei 8.069 de 1990 que dispõe do Estatuto da criança e do adolescente.
BRASIL. Constituição da República Federativa Brasileira de 1988.
FREITAS, Marcos Cezar de. História Social da Infância no Brasil. 9ª edição- Ed. Cortez. (2016) – São Paulo – SP.
MELLO, Flaviana Aparecida de. Atenção aos sinais: as várias formas de violência contra crianças e adolescentes, sujeitos em condição peculiar de desenvolvimento. Nº 160, (2017). In: Revista Âmbito Jurídico (digital). Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/edicoes/revista-160/atencao-aos-sinais-as-varias-formas-de-violencia-contra-criancas-e-adolescentes-sujeitos-em-condicao-peculiar-de-desenvolvimento/acesso: 05 de março de 2025.