A comunicação engajadora para o campo socioassistencial: perspectivas e tendências

Por Daniele Próspero*

Atualmente, vivemos em uma sociedade marcada por intensas contradições. Ao mesmo tempo em que há uma quantidade gigantesca de informações e dados circulando – segundo o relatório Data Age 2025 da International Data Corporation (IDC), em 2015, cada pessoa gerava cerca de 1,3 GB (gigabyte) de dados por dia. Para 2025, a previsão é que esse número atinja 5,3 GB, incluindo interações em redes sociais, pesquisas na web, uso de aplicativos, comunicações e outras atividades digitais – a intensa desinformação tem se tornado um dos principais riscos iminentes no mundo. De acordo com o Relatório de Riscos Globais 2024, publicado pelo Fórum Econômico Mundial, a desinformação e a propagação de informações falsas impulsionadas pela inteligência artificial (IA), bem como a polarização social, estão no topo da lista de riscos mundiais a curto prazo. E essa realidade também se aplica ao Brasil. Para ilustrar, segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto Locomotiva e divulgada em abril de 2024, quase 90% da população brasileira admite ter acreditado em conteúdos falsos.

Diante desse cenário, como podemos enfrentar esse risco? Como promover uma mudança significativa? Mais do que nunca, precisamos compreender que a comunicação vai além da simples transmissão de mensagens. É fundamental que essa comunicação seja colocada em prática a partir de sua essência. Isso porque a palavra “comunicação”, em sua origem, do latim communicatio, significa “tornar comum”. Ou seja, comunicar é um ato de repartir, distribuir e compartilhar. A comunicação nunca é um fim ou um meio. Ela é um processo. É uma relação!

No campo social, isso é ainda mais fundamental, devido à própria natureza do trabalho, que busca a transformação e atua para a construção de uma sociedade mais equitativa, justa e igualitária. Assim, o foco deve ser sempre a busca por uma comunicação significativa. Uma comunicação que promova o diálogo, a proximidade e a conexão. Não podemos nos esquecer do que nos ensinou o patrono da educação brasileira, o educador Paulo Freire: “A verdadeira comunicação não admite uma só voz, um só sujeito, a transmissão, a transferência, a distribuição, um discurso único, mas sim a possibilidade de muitas vozes, alteridade cultural, independência e autonomia dos sujeitos, inúmeros discursos, enfim, estruturas radicalmente democráticas, participativas, dialógicas.” (FREIRE, 1987, p. 25)

É, portanto, essa comunicação que as instituições, organizações e grupos pertencentes à rede socioassistencial devem buscar promover. Diante dos inúmeros desafios, é preciso pensar em novas estratégias, criar narrativas cada vez mais engajadoras, para se aproximar da sociedade e mobilizar cidadãos e cidadãs em causas transformadoras. Deve-se ter sempre em mente que a comunicação é parte intrínseca da mudança que se quer produzir. Assim, se queremos gerar impacto, transformar o mundo e diminuir desigualdades e preconceitos, precisamos praticar uma comunicação mais solidária, humanizada e valorizar os princípios que compartilhamos. E como fazer isso? A seguir, compartilho algumas tendências do campo da comunicação de causas, com dicas e perspectivas de diversos documentos e fontes de pesquisa:

  1. Uma causa comunica bem quando está sintonizada com algum desejo, espírito ou tendência do tempo presente. Por isso, é fundamental conectar a causa escolhida com questões de contexto local, nacional e global.
  2. As causas mais mobilizadoras são aquelas que afetam os interesses pessoais. A proximidade também pode ser traduzida por uma sensação de pertencimento. Assim, é importante tocar a imaginação das pessoas, fazendo-as acreditar que a realidade pode mudar para melhor e que elas podem ser parte dessa mudança.
  3. A comunicação de causas deve indicar um benefício claro e prático para as pessoas. Todos querem que os problemas mais próximos sejam resolvidos. Mesmo as causas mais grandiosas precisam ter uma correlação com o cotidiano das pessoas.
  4. O engajamento mais efetivo ocorre quando desperta nas pessoas o sentimento de pertencimento e o potencial de serem agentes de transformação. O convite, o chamado, deve ser feito apontando para a possibilidade de mudança e o poder de cada pessoa participar a partir de seu próprio lugar e realidade imediata.
  5. As pessoas estão cada vez menos interessadas em apenas ouvir; elas querem falar. Isso muda completamente a dinâmica da comunicação. O que precisamos é fazer com que as pessoas queiram falar sobre o assunto, e não apenas escutar.
  6. Na nova “economia da atenção”, é essencial explorar novas formas de engajar os cidadãos em uma causa, de acordo com sua disponibilidade.
  7. Histórias reais (storytelling) são poderosas para aproximar, criar relações, gerar empatia e construir pontes entre as pessoas.
  8. Abrir espaço para escuta e construção colaborativa, atuando em redes e garantindo o respeito à diversidade, promovendo a inclusão de todos os pontos de vista.
  9. Uma característica marcante da comunicação contemporânea é o propósito de entregar conhecimento relevante aos públicos de interesse. A comunicação autocentrada, focada apenas nas ações da organização e descontextualizada, está perdendo espaço. O importante é gerar conhecimento a partir do campo de atuação social.

Assim, fica claro que é preciso um olhar atento, constante e cuidadoso com a forma como nos comunicamos o tempo todo. É preciso, cada vez mais, falarmos de uma maneira simples, sermos mais abertos ao diálogo; porém, profundos nos repertórios. Não há receitas prontas nem um passo a passo. Mas o fazer junto, a colaboração e a coparticipação já apontam para o caminho de uma comunicação muito mais engajadora e potente. Fica o convite para novas formas de fazer.


Referências bibliográficas

ARAPYAÚ, Instituto; CAUSE; Shoot The Shit. O fluxo das causas: os desafios da comunicação de causas sociais depois da revolução digital. 2016.
FÓRUM ECONÔMICO MUNDIAL. Relatório de Riscos Globais 2024. 2024.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

FUNDAÇÃO TIDE SETUBAL. Comunicação de causas: reflexões e provocações para novas narrativas. São Paulo, 2020.

GIFE. Infográfico 8 princípios da Comunicação de Causas. 2019.

REINSEL, David Reinsel; GANTZ, John Gantz; RYDNING, John Rydning. Data Age 2025: The Evolution of Data to Life-Critical. IDC (International Data Corporation). 2017.


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* Daniele Próspero é mestre em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP), jornalista, especialista em Jornalismo Social e em Educação Comunitária. É sócia-fundadora e membro da diretoria da Associação Brasileira de Pesquisadores e Profissionais em Educomunicação (ABPEducom) e sócia-diretora do Estúdio Cais – Projetos de Interesse Público. Atua há 23 anos em diversas iniciativas socioambientais, tanto na produção de conteúdo sobre o campo, como na gestão e planejamento de projetos, principalmente em temas como educação, juventudes, comunicação comunitária e mobilização social para diversas organizações sociais, institutos empresariais e governos. No campo educacional, atua na elaboração, coordenação e desenvolvimento de cursos e oficinas formativas para educadores e gestores públicos, além de desenvolver materiais pedagógicos e conteúdos didáticos.