Sobre conselhos e participação popular

Autora: Juliana Abramides

*Professora na Faculdade de Serviço Social da Universidade Estadual do Paraná – Unicentro (cursos de ética e serviço social, planejamento e introdução à política social). Livro sobre questão social e arte urbana no prelo a ser publicado no 2.° semestre de 2022. Doutora em Serviço Social com a Tese – Arte Urbana no Capitalismo em Chamas: Pixo e Graffiti em Explosão pelo Programa de Estudos pós-graduados em Serviço Social da PUC-SP.

Vamos direto ao ponto! Para se abrir campos para a efetivação e consolidação da democracia não basta garantir a existência dos espaços de visibilidade e disputas entre os interesses e projetos construídos. É necessário que as classes populares – trabalhadora, rural, urbana regionalizada, etnográfica, subalternizada, racializada, indígenas, mulheres, trans e população sobrante – não apenas se apropriem dos espaços de participação social e pública, mas também estejam organizadas com entendimento político, consciência de classe e afiadas para as tomadas de posicionamento nas práticas de democracia ativa. 

Durante cinco séculos o povo brasileiro ficou completamente ausente do poder político. A formação da sociedade brasileira é complexa e apresenta uma combinação de poderes oligárquicos, militares e burgueses. Sequencialmente o poder oligárquico vem mantendo o povo brasileiro no regime de ignorância. Dizemos da política oligárquica quando um grupo de representantes age em benefício próprio, ao invés de atuar em prol da sociedade, dentro da legalidade e da moralidade social. São os políticos, sob hegemonia da classe dominante, que se protegem uns aos outros, colocam apadrinhados em posições de poder político e absorvem dinheiro público em proveito de interesses particulares. 

Ao mesmo tempo, a frágil democracia brasileira sofreu uma série de interrupções, a partir de golpes sucessivos e uma longa ditadura militar apresentando-se, como parte da cultura autoritária vigente no país. 

Por outro lado, a verdadeira democracia, enquanto regime político de que a soberania ou o poder supremo pertence ao povo, nunca existiu no Brasil. Desde a colonização, até hoje, existem dois ordenamentos jurídicos no país – o oficial, que em grande parte não é aplicado e o real que é dado nas suas grandes decisões pelos oligarcas e burgueses. 

Por que até hoje não temos o referendo e o plebiscito como práticas correntes? A população brasileira segue como mero figurante do cenário político quando temos uma continuidade do exercício de poder para poucos, em que a burguesia nacional é hegemônica e subordinada ao grande capital internacional. 

Chegamos ao ponto de enfrentar a cultura política do favoritismo, do clientelismo, do coronelismo e do privatismo. Os espaços públicos em geral são fundamentais para encontros, explicitações e disputas. Neste sentido, entendemos espaços públicos todas as arenas de debates, ou seja, as organizações autônomas e independentes dos movimentos sociais, e os fóruns e conselhos de direitos na esfera pública. 

Comprometendo-nos com as lutas políticas de nosso tempo histórico e sabendo que há uma democracia brasileira blindada, incompleta e com uma série de interrupções autoritárias e privatistas. Sabemos que não basta a existência dos canais de participação e controle popular. Os conselhos gestores devem promover debates, proporcionar confrontos e estabelecer pactos comuns. Mas a correlação de forças estará equiparada? Será possível acontecer a partilha equitativa dos processos decisórios entre as representações das organizações da sociedade civil e do segmento governamental, para que as questões públicas tenham como referente o próprio domínio da demanda pública, ou todo o conjunto das necessidades e reivindicações que correspondem ao interesse abrangente da coletividade demandatária? 

A práxis social e política da classe subalterna para enfrentamento permanente aos problemas coletivos da sociedade apresenta uma relação necessária com os poderes constituídos da sociedade política, mas também pela ampliação das propostas de democracia ativa e que superam a ordem de coisas já existentes. 

Exercer influências sobre as instâncias decisórias do aparato Estatal em fóruns, redes, conselhos, plataformas, negociações, proposições e deliberações de políticas e orçamentos é uma forma de representação e participação permanente no jogo de forças, poderes e conflitos de interesses. 

O espaço público está hierarquicamente subordinado à esfera pública, e há um esforço para ampliar a instância mediadora, a discussão e a participação política, para construir e viabilizar a esfera pública. Neste sentido, um Estado democrático, mesmo com seus limites, deve possibilitar instâncias participativas na gestão pública, bem como, atender os movimentos sociais autônomos e independentes da esfera estatal. 

Portanto, a instância de organização e articulação da sociedade civil organizada para formular alternativamente proposições para as políticas públicas de maneira independente e, de outro lado, as instâncias de participação popular na esfera estatal podem contribuir para a ampliação da democracia participativa. Desse modo, a própria noção de constituição democrática desses espaços significa a redefinição das relações de debate e confronto político. 

Estimulemos no nosso local privilegiado e capilar de trabalho, em todos os espaços socioprofissionais, nas esferas das políticas públicas, nas instâncias municipal, estadual e federal, a articulação permanente com os movimentos sociais organizados, bem como, com os canais institucionais de participação popular. 

A dimensão educativa das políticas públicas permite a construção de instrumentos pedagógicos na perspectiva de incentivar a participação popular em todas as instâncias. De outro lado, a socialização de informações conduz a uma maior apropriação da população em relação às políticas públicas, o que poderá auxiliar em seus planos de reivindicações e lutas. 

Traçar a perspectiva de luta pela efetivação dos direitos sociais e incentivar as lutas e conquistas democráticas e emancipatórias da classe trabalhadora contra as formas de opressão e exploração capitalista, é parte desta dimensão de mediação da práxis profissional. 

Por outro lado, os espaços institucionais de defesa e controle das políticas públicas com a presença de conselheiros da sociedade civil (mais informados), com formação política, discursiva e articulados com os movimentos sociais possibilitam que os conselhos redefinam suas posições no curso de disputa entre projetos políticos. 

Os conselhos são ambientes políticos culturais, um tipo de partilha de poder. O preparo político e estratégico para defesa de argumentos no intuito de uma arena mais participativa com mais paridade no processo político, é uma pedagogia para se interferir na arena de negociações na esfera do Estado, assim como, nas condições concretas da vida social. 

A dimensão estratégica se direciona ao caminho da liberdade, quando satisfazemos nossas necessidades de sobrevivência e podemos escolher entre alternativas reais numa direção que supere a emancipação política e caminhe para a emancipação humana. 

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