Reflexões sobre os desafios nas conferências de Assistência Social

Autora: Inmaculada Figols Costa*

*Graduação em Serviço Social pelo Centro Universitário das Faculdades Metropolitanas Unidas (1980); Lato Sensu em Administração de Recursos Humanos pela Universidade do Grande ABC (1997) e mestrado em Psicologia pela Universidade São Marcos (2000). Consultora organizacional na área de Serviço Social, Terceiro Setor e Organizacional.

Ao pensarmos sobre a construção da Política Nacional de Assistência Social – PNAS e o seu percurso histórico, podemos afirmar que foi construída com a mobilização popular, com lutas, resistências, desafios e limitações, mas sempre buscando combater as desigualdades sociais, contribuir para uma sociedade mais justa e efetivar uma Política de Estado. Toda essa trajetória buscava o reconhecimento de uma política pública de direito. 

No Brasil, na década de 1930, surgiu a Assistência Social com práticas assistencialistas que se estabeleceram como política de governo por décadas. Os anos 80, por pressão e participação da sociedade civil, foram marcados por discussões no campo dos direitos sociais e na efetivação de políticas sociais. Todo esse movimento, só adquiriu status de política social com a Constituição Federal de 1988 (CF/88), conhecida como Constituição Cidadã. Portanto, é considerado um marco importante no avanço da proteção social e dos direitos sociais. A CF/881988 instituiu um Estado Democrático de Direito e reconheceu a Assistência Social como parte do Sistema de Proteção Social, juntamente com a Saúde e a Previdência Social, compondo o Tripé de Seguridade Social. 

O Estado Democrático de Direito permite aos cidadãos o pleno exercício da participação, por meio da democracia representativa e participativa de modo que possam atuar no controle social e na fiscalização, exigindo do Poder Público um espaço democrático para discutir a Política da Assistência Social, a gestão e a concretização das Políticas Públicas Sociais, garantindo assim, a dignidade da pessoa humana.

REFLEXÕES SOBRE OS DESAFIOS NAS CONFERÊNCIAS DE ASSISTÊNCIA SOCIAL

A CF/88 é um marco fundamental no processo de re – conhecimento da assistência social como política social e define as diretrizes financeiras, de gestão e de controle social (Boscari e Silva, 2015), tendo isso em mente, julgamos necessário apresentar um breve relato sobre o cenário da atual Política de Assistência Social. 

Sabemos que historicamente a Assistência Social foi marcada por ações assistencialistas e práticas caritativas, assistindo os pobres, os doentes, os miseráveis, os excluídos e marginalizados pela sociedade. Essas ações foram exercidas por grupos religiosos com ações pontuais, fragmentadas, descontínuas e em desacordo com as demais políticas públicas. Por um lado essa prática reafirmava a exclusão social dos indivíduos promovendo e reproduzindo uma cultura subalterna, que estimulava barganha, subserviência, troca de favores e de benesses. Essa visão permaneceu por muito tempo e, podemos afirmar que ainda está presente nos nossos dias, não sendo a Assistência Social garantida como direito e nem reconhecida como política social. 

Para que esse reconhecimento fosse efetivado, a sociedade civil organizada iniciou um processo de mobilização social em defesa da Política de Assistência Social enquanto política pública, dever do Estado e direito do cidadão, exigindo do Poder Público, legislações que garantissem o direito expresso na CF/88. Surge então, a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) nº 8.742 de 1993, a PNAS (2004), a criação do Sistema Único de Assistência Social – SUAS (2005), a implementação da Norma Operacional Básica – NOB (2005 e 2006), o Fundo Nacional de Assistência Social – FNAS (2007), além das Portarias, Decretos e Resoluções. Portanto, a PNAS como política pública de direito social assegurada pela Constituição, sistematizada e aprovada pelo SUAS, normatizada pela LOAS, com o objetivo de garantir uma política de proteção à população vulnerável pela pobreza e pela exclusão social. Garantindo a universalidade dos direitos sociais e o acesso aos serviços socioassistenciais por meio de serviços, benefícios, programas e projetos. 

Para atender o que foi proposto pelo SUAS é impres – cindível a participação popular e o controle social, estabelecido na CF/88, em seus artigos 203 e 204, nos quais dispõem especificamente da Assistência Social e, no inciso II, do Art. 204, estabeleceu que: “a participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle social das ações em todos os níveis”, ou seja, a participação é assegurada nas esferas municipal, estadual e federal. Para que essa participação popular seja efetiva, a LOAS no artigo 5º estabelece a organização da Assistência Social e no inciso II, dispõem que a participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis”. 

Portanto, existem espaços democráticos de deliberação e de fiscalização da eficácia das políticas públicas, aliados a uma representação forte dos interesses gerais da sociedade, constituem a lógica do constituinte no controle popular das políticas públicas. Os conselhos e as conferências (inciso VII do art. 18 do LOAS) constituem, assim, fóruns privilegiados em que se efetiva essa participação” (SIMÕES, 2014, p. 112). São instâncias que têm por atribuições a avaliação da política de assistência social e a definição de diretrizes para o aprimoramento do SUAS. São espaços de caráter deliberativo que permitem o debate e avaliação da Política de Assistência Social e a proposição de novas diretrizes, no sentido de consolidar e ampliar os direitos socioassistenciais dos seus usuários. Por esta razão, a participação popular e, principalmente, a presença dos usuários é fundamental. 

As Conferências de Assistência Social possibilitam o debate coletivo e a participação social das diferentes organizações da sociedade civil, com a representatividade de usuários, trabalhadores, organizações sociais da Assistência Social, bem como representantes da área governamental com o objetivo de debater as prioridades, garantir o diálogo, discutir propostas, deliberar coletivamente, direcionar metas comuns a fim de fortalecer a Política de Assistência Social. 

Com base no referencial teórico, tivemos a oportunidade de participar como facilitador dos Eixos, palestrante e mediadora, na pré-conferência de uma cidade da Região Metropolitana de São Paulo, na XII Conferência Municipal da Assistência Social de uma cidade do interior e na XII Conferência Estadual da Assistência Social de São Paulo, respectivamente. Nessas vivências observamos que a participação popular, principalmente nas pré-conferências, foi bastante discutida pelos participantes, até por que a participação tanto dos usuários como do poder público foi relativamente baixa, sendo um ponto de grande preocupação. Os participantes colocaram que os movimentos sociais não tem atuado com o mesmo protagonismo dos anos 80, o que não fomenta a participação popular e, também, segundo eles, os usuários não participam no Conselho Municipal de Assistência Social porque o Poder Público estabelece horários que não são compatíveis com os da população, não oferece incentivos para transporte público, não investe com acessibilidade e nem a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) para que as pessoas com deficiência possam participar. 

Durante as discussões sobre os cinco Eixos temáticos definidos pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) para a 12ª Conferência Nacional de Assistência Social de 2021, os presentes discutiram e elaboraram propostas não relacionadas com os eixos. Isso nos chamou a atenção tanto na pré-conferência, quanto na Conferência Municipal e Estadual, tiveram momentos que reivindicavam e defendiam assuntos individuais e não coletivos, como por exemplo, a discussão de cargos e salários dos trabalhadores da assistência social, a criação de um centro de treinamento para capacitar os trabalhadores do SUAS; fortalecer a parceria com o Terceiro Setor para oferta de cursos profissionalizantes para jovens, tanto no âmbito municipal e estadual; os procedimentos do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para atender os beneficiários do Benefício de Prestação Continuada (BPC); entre outros assuntos não pertinentes com o tema proposto na Conferência. Essas três etapas vivenciadas nos levaram a refletir sobre o desafio que os gestores, trabalhadores do SUAS têm para trabalhar com os usuários, a sociedade civil e as Organizações da Sociedade Civil em entender o conceito e, principalmente, a atuação da PNAS com as outras políticas setoriais. 

Podemos verificar nos dados analisados e sistematizados de acordo com a metodologia contida no informe 04 do CNAS/2021, que os Municípios fizeram eventos preparatórios, palestras e atividades para mobilizar a população a participar, mas nenhum evento específico com usuários, o que nos leva a pensar que ainda faltam trabalhos focados e específicos para que a população participe como prevê Constituição Federal 1988, no Art. 204, no inciso II. Portanto, a experiência nos mostrou que temos muitos desafios na busca de efetivar a PNAS no território nacional. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A participação nas pré-conferências, nas Conferências Municipal e Estadual, nos fez pensar em alguns desafios, num momento de retrocessos de todas as Políticas Públicas e Sociais, em especial da PNAS. Podemos apontar a falta de clareza e entendimento da PNAS e sobre a gestão do SUAS dos conferencistas, principalmente, no que diz respeitos as atribuições e responsabilidades dos entes federativos, bem como dos equipamentos e das OSCs nos atendimentos aos usuários da Assistência Social. Esse dado nos leva a repensar que os Conselhos Municipais de Assistência Social devem desenvolver estratégias para trabalhar a questão para o melhor entendimento em todos os órgãos. Outro desafio muito presente no processo das Conferências é a criação de mecanismos para mobilizar os movimentos sociais e os usuários, garantindo a participação popular nos Conselhos por serem espaços democráticos de discussão e articulação coletivas. 

Em suma, podemos afirmar que as Conferências, mesmo com todos os desafios presentes na atual conjuntura e com as políticas públicas passando por uma grave crise de dissolução, oportunizaram grandes debates, discussões e novos conhecimentos, além de viabilizar a participação popular na garantia dos direitos socioassistenciais, da justiça social, da equidade, bem como da defesa da PNAS e do SUAS.

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