Reflexões acerca da concepção de território para a efetivação do SUAS

Por: Silvia Aline Silva Ferreira

Não há como falarmos em proteção social no SUAS sem pensarmos em territórios e nas respectivas diversidades territoriais que podem ser encontradas no Brasil. A perspectiva de territorialidade passou a ser definida como um objetivo da política de assistência social a partir da Política Nacional de Assistência Social (PNAS/2004) e da Norma Operacional Básica do Suas (NOB/SUAS 2005). 

É fundamental compreender as diversas manifestações da problemática social no Brasil, pois ela se manifesta diariamente por meio das complexas interconexões presentes no fenômeno da exclusão social. Essas manifestações se tornam evidentes nos locais de convivência, nos diversos municípios brasileiros, que variam em termos de tamanho populacional, geografia e características econômicas, políticas, culturais e sociais. A dimensão socioterritorial se revela como um elemento central na análise da complexidade e dos desafios relativos à proteção social. Como afirmou Santos, “é impossível conceber uma cidadania efetiva que não leve em consideração o aspecto territorial” (SANTOS, 2007c, p. 144). Portanto, é crucial considerar a abordagem das atuais desigualdades estruturais no país a partir da orientação política e econômica que influencia e domina a produção e a apropriação do espaço social.

  Cada parcela de território “usado” 1, ao tempo em que expressa um conteúdo específico, arrasta, em seu movimento socioterritorial, a totalidade do modo de (re)produção social de uma sociedade, num determinado tempo histórico. Portanto, as históricas contradições de classes resultam nas inúmeras desigualdades, expropriações e violações de direitos que se acumulam secularmente na sociedade brasileira, encontrando-se superpostas, objetivadas e encravadas na realidade particular de cada lugar.   Dentro do contexto da assistência social, a perspectiva socioterritorial representa uma abordagem que visa ampliar o alcance das ações de proteção social, com o propósito de atender um maior número de cidadãos brasileiros em situação de vulnerabilidade e risco social. Pensarmos a Política de Assistência e os impactos territoriais através das expressões da questão social e seu resultado histórico, nos remete a perspectiva de que o território se configura como um elemento relacional na dinâmica do cotidiano de vida das populações. 

A perspectiva territorial incorporada pelo SUAS representa uma  mudança das ações públicas da área da assistência social, evidenciando a importância do planejamento  a partir da concepção e incorporação do conceito de território tendo em vista a superação da fragmentação, o alcance da universalidade de cobertura, a possibilidade de planejar e monitorar a rede de serviços, realizar a vigilância social das exclusões e estigmatizações presentes nos territórios de maior incidência de vulnerabilidade e carecimentos.” (MDS,2008,p.53) 

No contexto do princípio da territorialização, é crucial ressaltar que o Brasil é um país vasto, caracterizado por uma diversidade sociocultural significativa, o que impacta de forma substancial na formulação de políticas para suas diversas regiões. Cada localidade exerce uma influência distinta sobre a configuração dessas políticas. A diversidade territorial desempenha um papel fundamental no planejamento de ações, uma vez que enfrentamos uma ampla gama de realidades territoriais que afetam a implementação e os resultados das políticas públicas. A vulnerabilidade não está limitada apenas a fatores socioeconômicos, mas também está relacionada a outros elementos, como níveis de escolaridade, acesso aos serviços públicos e características familiares. Além disso, fatores demográficos dos grupos sociais e setores censitários desempenham um papel importante, contribuindo para a exposição das pessoas a riscos, como problemas de saúde, gravidez precoce e a juventude sujeita a homicídios, entre outros desafios. Múltiplos indicadores contribuem para a situação de vulnerabilidade social nas diferentes regiões. 

De acordo com as palavras de Dirce Koga (2003), em meio a essa complexidade de fatores, é possível observar que as particularidades socioterritoriais das regiões vulneráveis revelam a distância que separa a população do acesso às políticas públicas e à atuação do Estado. Ao mesmo tempo, essas características também sinalizam as necessidades prioritárias do território para lidar com as situações de vulnerabilidade. 

Em suma, a importância do território na perspectiva da assistência social é inegável e fundamental para a eficácia das políticas públicas. O território não é apenas um cenário, mas um elemento vivo que interage diretamente com as necessidades e desafios das comunidades locais. É nele que as dimensões sociais, econômicas e culturais se entrelaçam, influenciando a dinâmica da vulnerabilidade e da proteção social. A territorialização permite a adaptação das políticas às demandas específicas de cada região, promovendo um olhar mais atento e sensível às particularidades de suas populações. Ao reconhecer a importância do território, a assistência social adquire a capacidade de ser mais eficiente, eficaz e inclusiva, garantindo que nenhum cidadão seja deixado para trás. Portanto, é imprescindível que a perspectiva socioterritorial continue a ser um pilar central nas estratégias de assistência social, promovendo uma sociedade mais justa e solidária.

1 Referindo-se ao termo território usado, Santos e Silveira (2011, p. 247) afirma que “[…] a partir desse ponto de vista, quando quisermos definir qualquer pedaço do território, deveremos levar em conta a interdependência e a inseparabilidade entre a materialidade, que inclui a natureza, e o seu uso, que inclui a ação humana, isto é, o trabalho e a política”.

Referências bibliográficas

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Sistema Único de Assistência Social. Política Nacional de Educação Permanente do SUAS. 1. ed. Brasília: MDS, 2013.

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Norma Operacional Básica do Sistema Único de Assistência Social NOB/SUAS. Brasília: MDS, 2012.

______. Norma Operacional Básica de Recursos Humanos NOB/RH. Brasília: MDS, 2006.

______. LOAS Lei Orgânica da Assistência Social. Brasília: SNAS.

______. O território e suas múltiplas dimensões na Política de Assistência Social. In Cadernos de estudos. Desenvolvimento social em debate. MDS. Orientações técnicas de Vigilância Socioassistencial. 2013.

CASTRO, Iná Elias de. Instituições e território. Possibilidades e limites ao exercício da cidadania.  Geosul, Florianópolis, v. 18, n. 36, p 7-28, jul./dez. 2003.

KOGA, Dirce e NAKANO Kazuo. Perspectivas Territoriais e Regionais para políticas públicas brasileiras. In A Abong nas Conferências 2005 – Criança e Adolescente – Assistência Social. Cadernos Abong 2005.

koga, Dirce. Medidas de cidades: entre territórios de vida e territórios vividos. São Paulo, Cortez, 2003.

SANTOS, Milton. O espaço do cidadão. 7 ed. SP: Edusp, 2007.

Facilitadora: Silvia Aline Silva Ferreira – Assistente Social, Pedagoga. Doutora em Geografia pela UNESP Presidente Prudente/SP; Mestre em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente pela UNOESTE/SP. Pós-Graduada em Trabalho Social com Famílias, Pós-Graduada em Gestão Pública, Pós-Graduada em Gestão de Pessoas, Pós-Graduada em Serviço Social: Direitos Sociais e Competências Profissionais, Pós-Graduada Docência do Ensino Superior e Pós-Graduada em Terapia Familiar. Experiência Docente em cursos de Graduação e de Pós-Graduação. Experiência como facilitadora do Programa Capacita SUAS no Rio Grande do Sul, Pará e Mato Grosso do Sul de 2014 a 2019. Experiencia como Especialista em Desenvolvimento Social na DRADS/APL Dracena de 2009 a 2017. Palestrante, Conferencista e Assessora em Políticas Públicas com experiência em serviços municipais e estaduais.

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