O SUAS e as eleições

Autor: Célio Vanderlei Moraes*

* Psicólogo (CRP 12/765) e mestre em Sociologia Política pela UFSC. Foi Conselheiro Municipal e Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente e Nacional da Assistência Social. Foi Consultor do MDS e do Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS.

A Assistência Social tem como desígnio constitucional a participação popular (Constituição Federal de 1988, artigo 204, inciso II). Esta mesma concepção foi replicada na Lei Orgânica de Assistência Social – LOAS (Lei 8742/1993) e na Política Nacional de Assistência Social – PNAS (Resolução CNAS nº 145/2004) ao instituir o Sistema Único da Assistência Social – SUAS. O sentido dessa participação em relação aos processos eleitorais, entretanto, merece um olhar mais detido, e é o que faremos aqui. 

A formulação das políticas e o controle das ações em todos os níveis ocorrem de diferentes formas e em diferentes espaços. Uma leitura apressada poderia deduzir tratar-se dos Conselhos de Assistência Social, nos respectivos níveis, que devem ter a participação, dado que tem poder deliberativo sobre a política. Sem dúvida este é um dos pontos centrais, mas não o único a ser considerado. 

Os Conselhos da Assistência Social (Municipais, estaduais, do Distrito Federal e Nacional), são compostos paritariamente pelo Poder Executivo e da Sociedade Civil, está subdividida entre trabalhadores/as, usuários/as e entidades socioassistenciais. Para a conta fechar é importante que o número total de integrantes seja múltiplo de 3 e, ao mesmo tempo, divisível por 2. No nacional são 18, nos municípios poderiam variar de 6 (para municípios de pequeno porte), até 24 membros. Cada lei local, ao regulamentar a LOAS, define isto. 

Os representantes do poder público são indicados e podem ser mantidos no cargo durante todo o mandato do executivo, ou substituídos a qualquer tempo. Quando se renova a composição do Conselho, geralmente a cada dois anos, o governo pode manter ou trocar seus representantes. No caso dos representantes da sociedade civil, há que se fazer uma escolha, também chamada de eleição, que tem algumas peculiaridades. 

O próprio Conselho, antes de terminar cada mandato, deverá organizar o processo, evitando uma lacuna entre os mandatos. Importante frisar que não se pode esperar o fim do período porque, neste caso, suas decisões podem ser invalidadas. Para que tenha sucesso no processo eleitoral é fundamental que o conselho se atente para alguns pontos, conforme veremos. 

Os segmentos precisam ser representados e não apenas ter nomes escolhidos para ocupar os cargos, isto é, precisam definir como será organizada a mobilização de todo o segmento para participação e, a partir disso, definir quem será o porta-voz de suas perspectivas. Trata-se, portanto, de dar qualidade ao processo participativo organizando com a máxima antecedência, atividades que possibilitem a apropriação da situação atual e o compartilhamento de ideias a serem desenvolvidas durante o mandato. 

Podemos pensar em folhetos explicativos, debates abertos (presenciais ou on-line), rodas de conversa de diferentes tamanhos e formas, enfim, é preciso investir na base para que se possa falar em representação. Se ficar só na escolha de conselheiros/as, não há o que representar. Não pode ser um cargo honorífico, mas um mandato temático. Em nome de um segmento, apresentar e defender determinadas propostas. 

Cada segmento, por sua vez, deve procurar organizar-se para “amadurecer” as ideias, aprimorar os mecanismos de acompanhamento e escolher quem pode melhor desempenhar o mandato em nome da coletividade. Não é uma tarefa simples e esbarra em inúmeras questões, desde vaidades até divergências efetivas e legítimas, que precisam ser compatibilizadas. Sempre deve existir espaço para a discordância, mas é preciso chegar a acordos para que as ações sejam desenvolvidas em alguma direção. 

O segmento dos/as usuários/as é o mais importante e deve receber maior dedicação do Conselho e de todos aqueles que se interessam pela assistência social. Os fóruns permanentes de usuários/as estão se espalhando pelo Brasil todo tem experiências interessantíssimas de organização, resgatando muito do sentido popular, que já foi tão caro e hoje parece esvaziado. Vale muito a pena procurar contatos e replicar em outros territórios este tipo de articulação. 

Além disso, em cada oportunidade, roda de conserva na unidade de atendimento, encontro de formação, material de divulgação, postagem em rede social ou outros, será importante referir e incentivar a participação dos/ as usuários/as. Não tratá-los como “usuários”, mas como sujeitos, incitando-os/as a pensar e opinar como as coisas estão indo e como deveriam ser, a que troquem ideias entre si e se posicionem como segmento. 

Os/as trabalhadores/as deverão também organizar – -se na forma de fóruns permanentes. É importante considerar que todos os/as trabalhadores/as devem ser chamados a participar, não apenas quem tem formação em nível superior, ou quem atua no Poder Público ou só nas entidades. É um espaço de resgate e fortalecimento de quem se dedica profissionalmente ao SUAS e, por isso, tem muito a dizer sobre a situação e o que deve ser feito por seus locais de trabalho, mas nem sempre são ouvidos/as e respeitados/as. A representação deste segmento não deve ser feita por quem exerça cargo de confiança na gestão pública, mas pode ser exercida por qualquer outro servidor/a ou trabalhador/a de entidade, caso o segmento considere adequado no contexto local. 

As entidades socioassistenciais, de igual maneira, precisam aprimorar sua articulação enquanto segmento. Quando o repasse de recursos do Poder Público atrasa ou não sai é comum que se unifiquem, mas aquelas que não dependem deste tipo de verba ou em outros momentos, poucas dedicam seus esforços a construir essa mesma unidade. Parecem estar absortas em suas missões institucionais, como se esta pudesse ser alcançada de forma isolada e não através da Rede, que envolve inclusive as unidades públicas. O acesso aos Direitos, que é propalado unanimemente, só avança como resultado de todo o Sistema Único e não de quaisquer de seus integrantes isoladamente. 

Retomando a organização da escolha dos representantes da sociedade civil pelos Conselhos, que também pode ser chamada de eleições, há passos a serem dados com prazos e procedimentos específicos a serem respeitados. O primeiro deles é criar, através de uma resolução aprovada em plenária, uma comissão eleitoral com a máxima antecedência possível. Esta comissão apresentará a proposta de calendário do processo e a minuta do edital de convocação do processo de escolha. Também logo de saída é recomendável uma articulação com o Ministério Público, para que acompanhe todo o processo, evitando nulidades. No edital que será construído pela comissão, deverão constar todas as regras e procedimentos para a inscrição de candidaturas e para registrar-se como eleitor. Notamos que a escolha se dá por segmento e cada um tem características próprias. 

Os/as usuários/as não se fazem representar exclusivamente por entidades, como previsto na resolução CNAS nº 11/2015. São múltiplas as possibilidades e isto deve estar previsto no edital. 

Os/as trabalhadores/as têm entidades que os representam, mas também podem ser representados por coletivos organizados de maneira não institucional, como é o caso de Fóruns. Há que se estabelecer maneiras de reconhecer e incentivar este tipo de organização, principalmente quando forem heterogêneas, isto é, não apenas de uma categoria profissional, mas de diferentes níveis de formação e atuação em diferentes locais. 

O Conselho Nacional de Assistência Social – CNAS terá eleições neste ano. É bom que todos/as procurem se informar e se articular para que seu segmento seja bem representado. Entidades que atuam em mais de um estado são possíveis candidatas em seu segmento. Trabalhadores/as e Usuários/as precisarão fortalecer suas articulações para participar da assembleia eleitoral, prevista para maio deste ano. 

Como referido no início deste texto, a participação na formulação e controle das ações da assistência social não pode ser resumida aos Conselhos, apesar de sua importância. Neste ano teremos também eleições para o parlamento nacional e para o Poder Executivo nos âmbitos estaduais, do Distrito Federal e Nacional. Estes todos também fazem parte da formulação e controle das ações relativas a esta Política Pública e, portanto, devem ser objeto da preocupação de todos/as que estão comprometidos/as com a assistência social. 

Não se trata mais de se organizar por segmento (governamentais, trabalhadores/as, usuários/as ou entidades socioassistenciais), mas de buscar a unidade em torno do próprio SUAS. É preciso indagar, por exemplo, se os candidatos a deputado sejam estaduais, distritais ou federais, conhecem o SUAS e até que ponto se comprometem a fortalecê-lo ao invés de simplesmente prometer emendas para isto ou aquilo. Os candidatos ao Senado e ao Poder Executivo, da mesma maneira, compreendem a importância dos serviços socioassistenciais ou os tem apenas como requisito formal das normativas? Precisamos ampliar muito as estruturas (pessoal, equipamentos públicos, verbas para repasse a entidades etc.) para chegar mais perto da proteção social afiançada pelas normativas. Mesmo sendo importantes, não bastam benefícios eventuais, auxílios e bolsas. 

Precisamos chegar aos territórios mais vulneráveis com condições de oferecer acompanhamento de qualidade e alternativas concretas para que as famílias alcancem seus direitos. 

Será necessário preparar materiais e atividades que relacionam as duas coisas. Quando elegemos um/a parlamentar ou governante, estamos escolhendo como as políticas públicas devem impactar nossas vidas. Trata-se de projetos de sociedade que devem ser postos à mesa. Há a delicadeza de não misturar com questões partidárias propriamente ditas, mas não dá para desconsiderar a implicação destas questões. Educação política para a participação não pode ser confundida com proselitismo partidário e é essencial para o desenvolvimento da autonomia, que é uma das seguranças socioassistenciais a ser assegurada. 

Não há mais espaço para reduzirmos as eleições, sejam elas dos/as representantes no Conselho, Assembleias Legislativas, Congresso Nacional, Governo Estadual, Distrital ou Presidência da República à escolha de nomes. A educação política precisa ser resgatada em sua beleza por todos os serviços da assistência social, como parte de nosso fazer. A escolha não é difícil na medida em que temos em vista que tipo de sociedade nós queremos e, por consequência, que política de assistência social e quem são as melhores pessoas para colocá-la em prática.

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