Nossa democracia garante o direito à diferença?

Por Samara Kelly Xavier e Silva

Quando falamos em democracia pensamos em mecanismos democráticos que deem conta das demandas contraditórias dos diversos grupos sociais do tempo presente, tais como as políticas sociais que exigem uma leitura de mundo apurada e crítica da realidade. A famigerada sociedade democrática pressupõe o paradigma dos sujeitos de direitos que exigem serem vistos, reconhecidos e respeitados por suas heterogeneidades, quais sejam: gênero, raça, etnia, sexualidades, geração e posição de classe.

Agora, quando afirmamos que as políticas sociais são mecanismo fundamentais para a manutenção da democracia, uma vez que atuam na contradição capital versus trabalho, alguns problemas ficam evidentes: por que as políticas sociais são construídas e para quem? Quem são os tais sujeitos de direitos? Como essas polícias sociais atendem esses sujeitos?

A primeira coisa é a constatação e compreensão de que grupos diversos demandam necessidades diferentes. Logo, estamos afirmando que no atual estágio de desenvolvimento das democracias em crises o direito à diferença vem sendo conquistado a base de muita luta haja visto que historicamente e presentemente a diferença nem sempre é vista como algo positivo, mas como instrumento de violência, opressão, manutenção de poder das classes dominantes e coerção social. A luta pelo direito à diferença pertence a ampliação dos direitos humanos, uma vez que a diversidade dos grupos que forjam as classes sociais podem ser fatores que levam a vivências de situações de risco e vulnerabilidades sociais que estão expostos por diferentes condições materiais e subjetivas. Isto posto, as políticas sociais como a Política Nacional de Assistência Social foi criada para o combate do risco e da vulnerabilidade social que mantém pobreza e a violência estrutural.

No cotidiano do trabalho social, o que podemos constatar, sem dúvida, são os crescentes mecanismos de denúncia de violações aos direitos humanos. Nos últimos 30 anos assistimos a organização crescente dos movimentos sociais, com destaque para os da infância, de mulheres, negros e comunidade lgbtqia+, os movimentos dos usuários das políticas sociais, bem como o uso da tecnologia virtual tem contribuído para enfrentamento mais dinâmico e ágil, no sentido de sua visibilidade e agilidade social no enfrentamento das questões que estamos analisando. Basta olhar e enxergar o que antes era escamoteado e varrido para baixo do tapete hoje é escancarado através de denúncias e reinvindicações de responsabilização daqueles que ferem os princípios democráticos. Quer sejam indivíduos ou o próprio Estado. A professora Maria Lúcia Barroco disse em 2006 1 que no entanto, dois anos depois do começo da Pandemia da COVID-19 trabalhadores das políticas sociais batalham para mensurar os agravos que as infâncias, especialmente as crianças negras, indígenas e pobres do Brasil vivenciaram e vivenciam, como evasão escolar, violência doméstica, sexual, trabalho infantil e coberturas vacinais. Além de evidenciar os estragos, temos também o desafio de retomar as veredas da proteção integral de crianças e adolescentes. Proteção essa prevista desde a Constituição Federal de 1988¹ até o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990. O UNICEF Brasil – Fundo das Nações Unidas para a Infância no Brasil (2022) aponta que os efeitos da pandemia foram e tem sido devastador para crianças e adolescentes principalmente pela suspensão de serviços da rede de proteção, somados ao isolamento social, à superlotação das unidades de saúde, fechamento das escolas como formas de conter a propagação do vírus. O que testemunhamos foi um aumento dos riscos de maus-tratos, negligências, violência: física, psicológica e/ou sexual, racismo, discriminação étnica e/ou de gênero, trabalho infantil, bem como o aumento da pobreza e miséria. Ou seja, a pandemia agudizou o que há 32 anos o ECA vem combatendo.

Nesse sentido, as políticas sociais, tem como princípios fundamentais, a liberdade, a democracia, a equidade, a justiça social, o comprometimento na eliminação de todas as formas de preconceito e de discriminação por questões de classe social, gênero, raça e etnia, religião, nacionalidade, orientação sexual, idade e condição física, incentivando o respeito à diversidade, e as diferenças. De forma explícita a pressão que os diferentes grupos sociais vêm colocando em torno do campo democrático é a negação de atendimentos e acompanhamentos cujas ações e manifestações produzam o racismo, o preconceito, a discriminação, enfim, a negação do direito à diferença, princípio básico dos direitos humanos, sustentáculo da atual democracia em crise. Esse posicionamento, que foi conquistado pelas políticas sociais há pouca mais de 30 anos, evidencia um amadurecimento teórico-metodológico e ético-político que necessita ser constantemente realimentado para não ser cooptado e silenciado pelo status quo, requer ao mesmo tempo nós trabalhadores do social nos percebamos privilegiados no campo da defesa dos direitos, em suas várias configurações.

1 As identidades que unem determinados grupos sociais,
diferenciando-os de outros não deveriam resultar em relações
de exclusão, desigualdade, discriminações e preconceitos.
Quando isso ocorre é porque suas diferenças não são aceitas
socialmente e neste caso estamos entrando no campo das
questões de ordem ética e política, espaço da luta pelo
reconhecimento do direito à diferença, uma das dimensões dos
direitos humanos.

1 BARROCO, Maria Lucia Silva. Ética, direitos humanos e diversidade. cadernos especiais, v.
37, p. 15-27, 2006.