Mobilização como emancipação social

Autor: PAULUS Social

É necessária a criação de canais de fortalecimento de mobilização e participação social para a construção de uma assistência social eficaz.

“A participação social no Sistema Único de Assistência Social é imprescindível para a construção coletiva de políticas públicas que contribuam com o bem-estar comum da população”, declara Fábio Maganha, Supervisor do Centro PAULUS de Convivência – Osasco. O Serviço de Convivência está inserido em um território que demonstra de forma exemplar a potencialidade e relevância da mobilização social. O espaço está localizado próximo ao Parque Santa Maria: um terreno abandonado que foi transformado em um parque! Graças ao cuidado da comunidade da região. 

Não existe Política de Assistência Social eficaz sem que a sociedade se organize para reivindicar seus direitos, sem angular quais são as suas demandas, vulnerabilidades e a melhor forma de atendê-las. Pensar num atendimento à população que não escute as necessidades da comunidade, é retroceder a um modelo assistencialista notadamente ineficaz. 

“A meu ver, a participação ativa e a deliberação dos rumos da política pública de assistência social constitui um direito assegurado por lei. Está previsto na Constituição Federal de 1988 e garante a participação da sociedade na gestão de políticas e programas promovidos pelo poder público. Dessa forma, podemos ter essa participação de controle social”, observa Carla Regina Borges Campos, pedagoga e assistente social. “Ainda falando sobre o direito à participação, está dentre as diretrizes, a Lei Orgânica da Assistência Social a participação da população na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis de estado. Participar de forma ativa e na prática cotidiana dos equipamentos e dos serviços socioassistenciais permite também o fortalecimento e aperfeiçoamento do SUAS.” Atualmente, Carla atua como Assistente Técnica da FEASA Federação das Entidades Assistenciais de Santo André e Conselheira Municipal de Assistência Social de Santo André, representando a sociedade civil. 

Ainda observando os dispositivos de participação social, já previstos por lei, Carla discorre sobre os Conselhos de Assistência Social. “A lei orgânica ainda dispõe sobre a criação dos conselhos com caráter deliberativo, o que favorece um caminho para que se estruturem gestões democráticas. A criação dos conselhos. A participação social, no âmbito do SUAS, garante que o sistema seja democrático e participativo, com espaços para o exercício da cidadania, da luta por direitos socioassistenciais e dos direitos sociais de forma coletiva. De longa data a sociedade civil tem cumprido papel histórico na consolidação do SUAS, pois foi a partir de grandes mobilizações e deliberações que pudemos avançar e aprovar documentos importantes, como a política nacional de assistência social e tantos outros que tipificaram serviços e asseguraram, dentro uma estrutura de gestão, os direitos que historicamente eram invisíveis e passam então a ser executados por meios de políticas públicas.” 

Todavia, é necessário que haja outros ambientes que viabilizem essa participação ativa. Carla prossegue: “Além dos conselhos de assistência, a sociedade civil pode se organizar por meio de fóruns coletivos e espaços de participação interna aos serviços. Na assistência nós chamamos de conselhos gestores, fazendo da participação e do controle social um paradigma que possa ressignificar a relação dos usuários com os serviços. Outro espaço importante de debate, de deliberação é o momento das conferências de assistência social. Mas não dá para entender o social de forma pontual, apenas nos anos que são realizadas as conferências. Esse é o grande desafio, manter a participação social, em especial dos usuários, de forma contínua. 

Fábio sinaliza outras possibilidades de mobilização “Para além das conferências, é necessário criar espaços que estimulem o diálogo transdisciplinar, intergeracional e intersetorial enquanto rotina dos serviços, programas e projetos da assistência social; isto é, desde o planejamento, execução, monitoramento e avaliação do processo de ser, estar, refletir e agir sobre a realidade da territorialidade na qual estamos inseridos”. Ele prossegue, observando o distanciamento que tipicamente existe entre a sociedade e os ambientes políticos. “Historicamente, no Brasil, o grande público sempre foi deixado de lado nas tomadas de decisões. Em consequência disso, não temos uma cultura de participação consolidada. É preciso escutar, consultar, informar, e promover ações que mobilizem os usuários do SUAS, à partir da perspectiva de quem conhece, convive, afeta e é afetado pelas consequências da participação para que sejam corresponsáveis na consolidação de políticas públicas que garantam os direitos e deveres dos cidadãos brasileiros.” 

Para exemplificar a aproximação com o hábito da mobilização social, Carla compartilha um pouco da sua história. “Falar em mobilização de grupos sociais é compartilhar um grande marco da minha vida! Comecei por meio de participação em movimentos estudantis: eu adorava ser representante de sala, participar de grêmio estudantil, de centro acadêmico. Como diz a música do Chico Science e Nação Zumbi: ‘eu me organizando posso desorganizar e eu desorganizando posso me organizar’. Esse processo foi um grande marco não só na adolescência, mas na minha trajetória profissional. A participação social sempre teve para mim um sentido baseado no direito. Sempre foi uma defesa mesmo e sempre acreditei que é participando que aprimoramos as políticas públicas. Para mim é muito mais do que estar presente. Isso me incomodava muito nas relações com a comunidade: não adianta ter um grupo de cem pessoas e apenas duas participarem ativamente. Isso sempre foi uma angústia minha e, buscando maneiras de reverter esse quadro, me formei em pedagogia. Também sou assistente social e na década de noventa eu trabalhei dez anos numa creche assistencial.

Um dos princípios básicos do meu trabalho, por exemplo, para construir um plano pedagógico, era incentivar a participação popular, criar canais de participação: criamos assembleias, comitês de representação das famílias, fizemos até uma eleição de forma simbólica com as crianças para aprimorarmos a rotina pedagógica. A meu ver, quando a comunidade participa ativamente, ela exerce o controle social sobre o poder público para, de certa forma, resolver algumas questões da comunidade, como por exemplo, ampliar a oferta de um serviço ou até mesmo melhorá-lo. Acredito que esse mecanismo de participação é também eficaz para rompermos com aquelas práticas clientelistas, práticas políticas que envolvam relação de favor e que não garantam direitos. Hoje eu trabalho numa federação de entidades assistenciais de Santo André, o que facilita o fomento e a mobilização de grupos e entidades socioassistenciais. Nós fazemos ações e atividades no campo do assessoramento, defesa e garantia de direitos no âmbito do SUAS. Também sou Conselheira de Assistência Social no município representando a sociedade civil e enfrento diariamente o desafio de fiscalizar a política pública de assistência social e também de defender os direitos socioassistenciais. Sou voluntária numa associação de moradores do bairro onde moro e, na medida do possível, busco participar ativamente dos grupos de mulheres, do grupo de alfabetização de jovens e adultos, das discussões para melhoria do território. Eu tenho a possibilidade de trazer para a minha vida pessoal a luta e a defesa para a emancipação humana”. 

Além dos ambientes tradicionais de mobilização política, Fábio Maganha sinaliza que toda dinâmica de convivência gera alguma instância de mobilização. “Quais os caminhos para melhorar a participação popular? Evidentemente que eu não tenho essas respostas, mas eu boto muita fé nas manifestações da cultura popular brasileira. Aqui no nosso território temos muito próximos os grupos de capoeira, como por exemplo, o grupo Maracatu da Oca, da Aldeia de Carapicuíba. Em Cotia temos a Congada, que foi tombada como Patrimônio Imaterial da humanidade. Eu acredito nessas manifestações enquanto uma instituição própria. Essas manifestações exemplificam como a história do Brasil foi construída. Através de quais relações nascem a capoeira e a congada? De onde vem o maracatu? Vêm historicamente dessas relações desiguais de poder, de abuso de poder, e então eu vejo essas manifestações enquanto uma instituição. Para parafrasear Ailton Krenak; ele fala do sonho enquanto instituição. E aí ele amplia essa visão que a gente tem do sonho, trazendo um pouco da cosmovisão dos povos originários. Então, além do sonho enquanto instituição, eu também acredito nessas manifestações enquanto uma instituição: capoeira enquanto uma instituição que pode ajudar a transformar esse país num lugar melhor para se viver. Isso é um pouquinho do que eu acredito. Não tenho uma resposta fácil, mas acredito muito nos movimentos de participação popular que essas situações manifestam, dessa cultura que é a essência do povo brasileiro.” 

“O caminho para fortalecer a participação popular é um caminho que não se encerra. São muitos, alguns possíveis, outros que talvez sejam utópicos”, aponta Carla. “Acredito que devemos fortalecer a democracia participativa, o exercício da cidadania e o contato dos cidadãos com a esfera política em todos os âmbitos e não só em ano eleitoral. Precisamos aproximá-los de processos, ações e políticas públicas de maneira acessível, para que faça sentido na vida deles o ato de participar ativamente, não só no momento que requerer um direito ou só no momento de dar um voto. Precisamos criar estratégias para desburocratizar os espaços de controle social e de propiciar conselhos de políticas públicas não meramente cartoriais, apenas para ficar aprovando decisões muitas vezes verticais. Precisamos investir em formação aliada com uma escuta ativa sobre o que a população deseja, o que a população necessita, atrelada a uma articulação com outras políticas públicas, com lideranças comunitárias e fazer convocações públicas da comunidade para participar dessas discussões. Assim, podemos romper com políticas criadas em gabinetes. Ouvir a população é imprescindível para compreender com clareza qual cidade ela quer e qual cidade ela deseja. Precisamos também melhorar o processo de transparência das ações do estado realizando audiências públicas para prestação de contas. Por exemplo, existe uma participação potente nas conferências de políticas públicas, mas depois que se acaba não há de fato uma participação ativa no acompanhamento das deliberações. Precisamos de estratégias para romper com a política neoliberal que incide sobre o controle social de forma controladora e não participativa. Romper com a concepção de direitos serem considerados meramente produtos, e sim fortalecermos o direito e transformá-lo em políticas públicas. Paulo Freire tinha uma obsessão em compreender como algumas pessoas podiam estar nessa situação de injustiça social e num certo sentido se confortar, se conformar em viver daquele jeito. Termino essa reflexão propondo que pensemos de forma mais profunda sobre o nosso papel político na humanidade e sobre como buscar estratégias para fortalecer direitos já garantidos por lei, bem como incluirmos neste processo democrático mais vozes, minimizando a cultura da não participação que no período de pandemia foi aprofundada, além de também romper com essa cultura do silêncio.”

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