Assessoramento e virtualidade

Por redação

Em conversa, Carlos Ferrari aponta aprendizados, estratégias, vantagens e desvantagens da atuação on-line adotada durante a pandemia.

Apesar de raramente expresso, há um elemento costumeiramente conversado dentro da atuação na Assistência Social: adaptabilidade. O Sistema Único de Assistência Social (SUAS) é constantemente desafiado com a demanda de se reinventar para atender apropriadamente a pluralidade de vulnerabilidades surgidas pela nossa dinâmica social. Em 2020, surgiu um novo desafio e a necessidade premente de permanecermos atuantes, mesmo que remotamente, levou-nos a observar estratégias de outras políticas como potenciais exemplos. 

“Assim como nós aprendemos na educação, falar de uma política pública a distância é sempre muito complicado, afinal, nós estamos tratando de estratégias que priorizem a nossa humanidade e as nossas relações. Logo, falar em ‘distanciamento’ ou ‘à distância’ pode gerar um entendimento equivocado”, aponta Carlos Ferrari, que presidiu o Conselho Nacional de Assistência Social de 2010 a 2012. “Por um lado, falar em ambientes virtuais é extremamente possível e necessário, principalmente quando se fala em educação, difusão do conhecimento e investimento em campanhas que são transformadoras e impactam na defesa de direitos ou mesmo na conquista de novos direitos.” 

O assessoramento, com seu exercício de fomento ao debate e a articulação social, tem um papel a ser refletido nessa conjuntura de ambientes digitais. 

“Pensemos no papel do ADGD, não só do assessoramento, mas do assessoramento e da defesa e garantia de direitos. Essas duas categorias de atuação cumprem um papel e desempenham uma importante contribuição importante na formação de trabalhadores, de coletivos, de lideranças e na outra ponta, para além de formar, informa, mobiliza e conscientiza. Nós precisamos então pensar que nesses ambientes é interessante que ocorram interações em tempo real, com conteúdos que geram engajamento e em outras tantas vezes que haja algum tipo de produção colaborativa. Ferramentas para isso existem, e cabe a nós, mediadores da política pública de assistência social, fazer com que essas ferramentas sejam apropriadas pelos distintos atores que precisam e que fazem parte do SUAS.” 

A medida que retomamos progressivamente à normalidade, surge a questão: quando e como utilizar essas ferramentas? Quão apropriado é para o assessoramento adotar a virtualidade como ambiente de atuação? Carlos Ferrari pontua: “falar de vantagens e desvantagens pode parecer algo que pode gerar alguma leitura maniqueísta da coisa. Nós não estamos tratando de algo que é uma panaceia, ou seja, algo que vem para resolver todos os problemas. Nós, que somos da assistência social e da política de proteção social, que cuidamos da parte relacional. Os vínculos e as relações humanas precisam ser preservados por nós. Talvez a grande desvantagem seja criar a falsa ideia de que tudo possa se resolver no virtual. Tomemos como exemplo a participação popular: essa participação se dá por meio da beleza e da possibilidade do encontro, e o encontro ocorre onde as pessoas possam se tocar, possam interagir diretamente. O ambiente virtual não permite isso. É também comprovado que a fadiga digital ocasionalmente afasta e, por vezes, constrange. Por outro lado, a vantagem é que você pode potencializar a articulação de redes e aproximar múltiplos segmentos com lutas semelhantes. O ambiente digital pode criar redes de quilombolas, redes de pescadores, redes de populações indígenas, de pessoas com deficiência, fazendo dessa articulação algo extremamente potente para conquistas e ambientes reais.” 

Ferrari também aponta que ainda é cedo para sinalizar com clareza rumos e impactos. “Quanto aos aprendizados na pandemia, nós ainda não temos nada sistematizado. Eu poderia dar uma série de opiniões aqui, mas prefiro destacar que é importante que esse estudo seja feito. Importante que agora a gente possa se mobilizar para identificar como isso foi importante para os múltiplos coletivos. Para os trabalhadores, por exemplo; como o ambiente virtual pode ser útil no trabalho de serviços como o serviço de convivência e fortalecimento de vínculo ou mesmo na proteção especial para o acompanhamento de famílias que tudo o que não precisavam eram do afastamento social. Estavam buscando o convívio e tiveram que se ver isoladas para se proteger. Então não vou me ancorar a apontar: são aprendizados, sem dúvida, mas é importante que se investigue isso.” 

Por fim, além de adotar ponderadamente estratégias de mobilização virtual, também é importante observar as leituras dos Conselhos de Assistência Social sobre esse tipo de atuação. “Os conselhos discutem muito esse assunto, mas são necessários subsídios. Nós precisamos convidar os Conselhos Municipais, e Estaduais e o próprio Conselho Nacional de Assistência Social a discutir esse tema. Precisamos contemplar as possibilidades da assistência social no ambiente virtual numa perspectiva de trabalho on-line a partir da sistematização de dados. Precisamos apresentar para esses espaços de participação popular e diversas instâncias de controle social, múltiplas ferramentas que lhes permitam fazer um debate mais qualificado. Hoje, as discussões ainda são de caráter emergencial e resume a discutir isso para ‘resolver um problema’. Outras vezes acaba se discutindo isso usando apenas opiniões como fundamento, o que não é ruim, mas é importante que se estimule esse debate com base Metodológicas, com dados e com provocações sistematizadas.”

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