Olhar migrantes e refugiados com outros olhos | Paulus Editora

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Religião e Comunicação

01/02/2020

Olhar migrantes e refugiados com outros olhos

Por Darlei Zanon

Neste mês o Papa Francisco nos propõe uma intenção de oração muito concreta e objetiva – “rezemos para que o clamor dos irmãos migrantes vítimas do tráfico criminoso seja escutado e considerado” –, que faz refletir sobre um dos grandes problemas atuais, especialmente na Europa: os migrantes e refugiados.

Nos últimos anos, pude acompanhar de perto a dolorosa saga de milhares de imigrantes e refugiados, que chegam quase diariamente na Europa em busca de uma vida nova. Em geral fogem de guerras, de perseguições étnicas e religiosas, da pobreza extrema, da fome, do abandono humanitário, arriscando a própria vida numa viagem cheia de esperanças, mas com pouquíssimas garantias, muitas vezes iludidos por traficantes que cobram somas altíssimas para “facilitar” a travessia. Como o Papa nos recorda, muitos são vítimas do tráfico criminoso, mas o pior não é isso. Pior é que ao chegar na Europa – e o mesmo acontece em todas as outras realidades, como nos EUA e também no Brasil –, são hostilizados, repudiados, oprimidos, vítimas de muitos preconceitos e fake news.

Um dos pontos de maior crítica surge ao fato de que, se são “refugiados”, não poderiam trazer consigo um celular, muitas vezes um smartphone de última tecnologia. E aqui entramos no tema que gostaria de abordar hoje. O que você pensaria ao ver um refugiado com um iPhone na mão, por exemplo? Provavelmente a primeira reação seria afirmar que ele é um oportunista, que não precisa da mesma assistência ou caridade da maioria dos imigrantes. Mas isso é um erro, provocado pelo preconceito e muitas vezes por falta de conhecimento. Criticar esta realidade é ignorar a cultura e sociedade atuais, marcadas profundamente pela hiperconexão, pela tecnologia e pela comunicação.

A interconectividade é um elemento essencial para o imigrante contemporâneo. Vivemos naquela que o sociólogo espanhol Manuel Castells chama “sociedade em rede”. Este é o tempo e o espaço que habitamos hoje. É impossível fazer parte da hodierna sociedade sem considerar a sua dupla dimensão: online e off-line. Alguns estudiosos usam inclusive o termo “onlife” para definir a condição habitativa atual, onde online e off-line se complementam e interagem constantemente, sem uma distinção evidente. O celular é desse modo um bem essencial para uma pessoa que deixa a sua terra e parte rumo ao desconhecido. É através desse instrumento – uma extensão do seu próprio ser, um verdadeiro portal para um mundo paralelo, aquele digital – que ele pode se comunicar com os familiares e amigos que deixou para trás ou que o esperam adiante; pode se informar sobre o que está a acontecer no mundo, no seu país de origem e no país onde pretende chegar, ou sobre as rotas mais seguras a seguir; pode pedir ajuda no caso de emergência ou imprevisto; pode contatar associações ou grupos de ajuda aos imigrantes; pode unir-se a novas comunidades…

E não só. Hoje é fundamental haver um celular para poder registar-se online em diversos serviços de assistência jurídica, civil e humanitária; para solicitar documentos e inscrever-se em projetos sociais; para ser contatado pelos Governos locais que o receberão; para construir e alimentar novas relações, especialmente através das redes sociais; para encontrar locais e pessoas que lhes dê suporte e assistência, etc. Além disso, são muitas as Apps que ajudam os migrantes, algumas das quais criadas especialmente para este fim. O site www.ong2zero.org, dentre tantos similares, apresenta uma série de tecnologias que podem ser de preciosa ajuda nos processos migratórios, tanto para os migrantes quanto para os profissionais, voluntários ou religiosos/as que trabalham no acolhimento dos migrantes e refugiados. Um exemplo concreto são os mecanismos de traduções simultânea, instrumento básico para os que chegam na Europa e aqui encontram diversas línguas desconhecidas.

Enfim, se no século 18 e 19 os imigrantes que saíam da Europa rumo ao Brasil e outros países das Américas e para a Oceania levavam consigo algumas ferramentas de trabalho e assim começaram grandes empreendimentos em diversas áreas, hoje a ferramenta mais importante para ajudar no começo de uma vida nova, em uma terra desconhecida e hostil, é o celular, o tablet e o computador. É com ele que o imigrante constrói o seu novo ecossistema comunicativo, alicerce sobre o qual se fundamentam todas as dimensões da vida contemporânea, independentemente de onde nos encontramos fisicamente.

Na próxima vez que formos comentar ou emitir um julgamento sobre um refugiado e os seus hábitos, reflitamos primeiro e pensemos antes se podemos ajudá-lo ao invés de simplesmente criticá-lo. O Papa certamente nos elogiaria por esta iniciativa.

Bom mês a todos!

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