DIACONIA: uma breve introdução bíblica sobre a dimensão do serviço cristão | Paulus Editora

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26/04/2019

DIACONIA: uma breve introdução bíblica sobre a dimensão do serviço cristão

Por Jerônimo Lauricio

Em sua primeira Encíclica sobre o tema do amor cristão, “Deus Caritas Est” (Deus é amor), o Papa Bento XVI nos ensina  que a natureza íntima da Igreja tem um tríplice dever: o Anúncio da Palavra de Deus (kerygma-martyria), a Celebração dos Sacramentos (leiturgia) e o Serviço da Caridade (diakonia)”. (DCE, 25).  Nessa primeira reflexão de uma série de três, vamos nos debruçar então sobre o tema da Diaconia, tendo primeiro como fio condutor a sua compreensão bíblica a partir da antiga cultura grega e da tradição judaica; num segundo momento, uma meditação sobre o serviço que é feito da parte de Deus aos homens;  e finalmente  num terceiro momento, o serviço que deve ser correspondido da parte da Igreja a Deus.

No senso comum do dia a dia, “o serviço é um princípio universal; ele se aplica a todos os aspectos da vida: o estado deveria estar a serviço dos cidadãos, o político a serviço do estado, o médico a serviço dos doentes, o professor a serviço dos alunos…”[1]. Assim também no horizonte bíblico não falta exemplos da aplicação do termo “serviço” e suas adequações.  Por isso, não é nossa intenção esgotar nessas reflexões toda sua riqueza de significado nas páginas das Escrituras, mas analisar como este termo e seus cognatos, foi aplicado de maneira prática, no desenvolvimento da missão da Igreja ao longo dos anos.

I – O SIGNIFICADO DE “SERVIÇO” NO NOVO TESTAMENTO:

Em termos de uso secular, há bastante evidência de que, na época do Novo Testamento, havia na sociedade grega um ofício religioso expresso pelo termo “Diakonós”, que tecnicamente servia como “um servidor, um ajudante, assistente” (cf. At 6, 2-6; Fl 1,1). Todavia, o conceito de serviço é expresso em grego por várias palavras diferentes, cada uma das quais expressa uma nuance de significado ligeiramente diferente, que muitas vezes são difíceis de identificar, embora cada uma tenha sua própria ênfase básica. Por exemplo:

DOULOS, que significa servir como um atendente de um Rei. “Eis que o Reino dos Céus é semelhante a um rei que resolveu acertar contas com os seus servos” (Mt 18, 23) “O Reino dos Céus é semelhante a um rei que celebrou as núpcias do seu Filho. Enviou seus servos para chamar os convidados às núpcias, mas estes não quiseram vir” (Mt 22, 3ss)

THERAPEUÓ, que significa cuidar, atender, servir para restaurar uma pessoa que tenha uma doença (Cf. Mt 10, 1.8).  Dai que vem a palavra terapia, do grego THERAPEIA, que significa “o ato de curar” ou “ato de reestabelecer”. “Jesus percorria todas as cidades e povoados, ensinando em suas sinagogas e pregando o Evangelho do Reino, enquanto curava toda sorte de doenças e enfermidades” (Mt 9, 35)

LEITOURGÓS – era um substantivo masculino derivado de “leitos”, (pertencente ao povo) e “érgon”, (serviço, trabalho”). Era propriamente, um servidor (ministro) oficial do Estado que trabalhava publicamente para o bem da comunidade. No NT este termo é usado especialmente para o serviço sacerdotal livremente ofertado a Deus em favor dos homens: “(…) em virtude da Graça que me foi concedida por Deus de ser ministro de Cristo Jesus junto às nações a serviço do Evangelho de Deus, a fim de que as nações se tornem oferta agradável, santificada pelo Espírito Santo” (Rm 15, 16). Daí que vem “a palavra Liturgia, que originariamente significa “obra pública, serviço da parte do povo e em favor do povo”. Na tradição cristã, quer dizer que o povo de Deus toma parte na “obra de Deus” (CIC 1069). Neste sentido, depois a Igreja vai percebendo que há uma conexão direta entre leiturgia (serviço a Deus ) e diakonia ( serviço ao próximo), como que sendo uma expressão da vivência da fé em duas dimensões, divina e humana. A fé celebrada se expressa em serviço.

DIAKONEÓ – existe uma aproximação mais forte ao conceito de serviço de amor, pois significa literalmente servir, ministrar, administrar ou cuidar das necessidades dos outros. “Com isso o diabo o deixou. E os anjos de Deus se aproximaram e puseram- se a servi-Lo” (Mt 4, 11). “Logo que tocou-lhe a mão e a febre a deixou, ela levantou-se e pôs-se a servi-lo” (Mt 8, 15). Ou ainda preparar ou oferecer comida e bebida aos convidados: “Pois, quem é o maior: o que está sentado à mesa, ou aquele que serve? Não é aquele que está à mesa? Eu porém, estou no meio de vós como aquele que serve” (Lc 22, 27) “Ofereceram-lhe um jantar; Marta servia e Lázaro era um dos que estavam à mesa com Ele” (Jo 12, 2).

II – O SIGNIFICADO DE “SERVIÇO” NO ANTIGO TESTAMENTO:

Em contraste com o uso do grego secular, parece não haver nenhum conceito similar de “diakonia” na cultura judaica antiga. Isso é visto claramente em todos os exemplos do termo “serviço” no Antigo Testamento, onde cada uso se refere claramente em “prover ou cuidar de algo” ou simplesmente “servir, trabalhar, obedecer”. Para ilustrar essa conotação, apresentamos aqui três breves cenários: Jacó que serviu a Labão, pai de Raquel, durante sete anos com intenção de recebê-la como esposa (cf. Gn 29, 15-3); José do Egito, que tendo encontrado graça diante dos olhos do Faraó, foi instituído como mordomo a seu serviço e lhe confiou tudo o que lhe pertencia.  (cf. Gn 39, 4); Por fim, temos ainda o fato dos homens de vinte anos para cima das casas patriarcais, terem como determinação do recenseamento local, o registro para o serviço da guerra ou serviço militar (Cf. Nm 1, 20).

Dando um passo a mais nesse breve olhar sobre o contexto judaico, é bom destacarmos que “servir” não tinha apenas o sentido de “trabalho servil”, mas tinha também a conotação religiosa de um serviço ou rito sagrado que os sacerdotes e levitas se ocupavam no tabernáculo ou no templo (Cf. Nm 18, 2-3 e Ez 45, 4-5). “Revestirás desses ornamentos teu irmão Aarão e seus filhos e os ungirás, os empossarás e os consagrarás, a fim de que sejam sacerdotes a meu serviço. (…) Consagrarei a tenda de reunião e o altar; consagrarei igualmente Aarão e seus filhos, para que sejam sacerdotes a meu serviço” (Ex 28, 41; 29, 44).

Um servo que dá sua vida voluntariamente como sacrifício pelos outros, um servo que obedece a seu mestre, um servo que trabalha, ama e morre em nome de outros, pelo perdão dos seus pecados e a remoção de sua culpa. Esta é uma figura de um servo incomum. O servo em mente é o servo descrito nos 4 “cânticos de Isaías.” (Is 42, 1-9; Is 49, 1-7; Is 50 4-11; Is 52, 13-15).

No Antigo Testamento, havia escravos que serviam aos reis, havia escravos que eram adoradores de Yahvé, ou seja, seus servos. Israel, como uma nação, foi muitas vezes chamada de “servo do Senhor” (Cf. Sl 136, 22, Is. 41, 8-9; 49, 3). Um famoso salmo fala de “Seu servo, Israel” (Salmo 136, 22). Mesmo aqueles que serviram no Templo, ou no seu coro, eram os servos do Senhor, que louvavam em uma capacidade formal (Sl 113, 1). Os profetas são chamados de “servos” (2 Rs. 9, 7; 17, 13). Mas Isaías em seus 4 cânticos, apresenta o servo ideal no palco da história do mundo. Este servo sofredor deveria ser o Ungido do Senhor. A obra deste servo era única, realizada por Aquele a quem foi dado o Espírito Santo para guiá-lO. Este servo devia ser uma aliança para Israel, uma luz para as nações, uma pessoa que iria trazer de volta Jacó e, acima de tudo, trazer a salvação para toda a terra (Is 49, 6). Ele serviria como um mártir e um sacrifício. Ele iria aspergir muitos e torná-los limpos; Ele iria curar os outros pelas suas feridas. Ele teria, de fato, de servir os outros, a ponto de morrer. Depois de levar os pecados de muitos, o Senhor o exaltaria grandemente (Is 53, 12).

Nesse último ponto da nossa reflexão, surge então diante de nós a palavra hebraica ‘ÊBED, que foi usada no AT para descrever qualquer tipo de “servo ou escravo.” Esta palavra vem da raiz “ABAD”, do verbo “trabalhar, servir.” Para nos ajuda a entender seu significado, precisamos ir no livro de Rute (4,17), onde encontramos o personagem Obed, filho de Booz e Rute. OBED significa literalmente em hebraico “servo ou escravo” (‘êbed).  É interessante observarmos o fato histórico de que Obed foi o avô paterno do rei Davi, mesma linhagem de José, o esposo de Maria, da qual nasceu Jesus: “Booz gerou Obed, de Rute; Obed gerou Jessé, que por sua vez gerou o Rei Davi” (Mt 5, 6). Sobre esse detalhe nos deteremos num outro momento.

Finalmente, vale destacar que se por um lado, o termo hebraico ‘êbed, (obed), significa ser “servo ou escravo”, por outro lado, os latinos nos legaram a palavra “ob-audire”, isto é, “ouvir de forma inteligente”, com atenção e “obediência” àquele que fala. Essa definição etimológica nos sugere que só é possível, portanto, ser obediente, quando nos dispomos a ouvir atentamente àquele que nos fala. E mais ainda: nos mostra que o primeiro passo para servir é certamente também obedecer, não uma obediência qualquer e cega, mas o movimento silencioso do discernir, dar ouvidos, escutar cuidadosamente e de forma inteligente àquele que fala. Aqui encontramos então uma estreita conexão entre servir e obedecer, que por sinal, por si nos provoca profundamente.

[1] Quarta pregação de Quaresma – Um amor feito de atos –  do Frei Raniero Cantalamessa ao Papa e à Cúria Romana em 2011

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