A Leitura e a Interpretação Eclesial da Sagrada Escritura de Bento XVI (parte I) | Paulus Editora

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Teologia

04/10/2018

A Leitura e a Interpretação Eclesial da Sagrada Escritura de Bento XVI (parte I)

Por Rudy Assunção

Desejo me concentrar nos critérios que, para Bento XVI, devem presidir a leitura e a interpretação autêntica da Sagrada Escritura. Afinal, a homilia não deve estar submetida apenas às regras da oratória sacra, mas deve ser construída tendo por base aos critérios de hermenêutica bíblica emanados pelo magistério da Igreja[1].

 Como ler e interpretar a Sagrada Escritura? Com a Igreja

         Uma das grandes dificuldades que toca particularmente aos pregadores da Igreja está em ler e interpretar corretamente a Palavra de Deus para poder realizar um comentário ao mesmo tempo atualizado, sólido, edificante e que seja um convite à conversão dos fiéis. Quem prega deve dar “vida” e “atualidade” à Palavra que não morre e que não passa. Entretanto, isso não é tarefa fácil. Então, como ir além de uma leitura marcadamente subjetiva e subjugada pelas exigências do “público” e dos “tempos” a que está dirigida? Como não ceder à tentação de deixar falar apenas a si mesmo quando se está no Ambão? Que espírito deve presidir a leitura que o pregador litúrgico faz da Palavra de Deus e não só ele, mas todo batizado? Para Bento XVI este é o ponto de partida, o ponto de vista básico: “É importante ler a Sagrada Escritura, por um lado de modo muito pessoal, e realmente, como diz São Paulo, não como palavra de um homem ou como um documento do passado, como lemos Homero, Virgílio, mas como uma Palavra de Deus que é sempre atual e fala comigo. Aprender a ouvir um texto, historicamente do passado, a Palavra viva de Deus, ou seja, entrar em oração, e assim fazer da leitura da Sagrada Escritura um diálogo com Deus.

Santo Agostinho nas suas homilias diz com frequência: Bati várias vezes à porta desta Palavra, até que pude compreender o que o próprio Deus me dizia; por um lado, esta leitura muito pessoal, este diálogo pessoal com Deus, no qual procuro o que o Senhor me diz, e juntamente com esta leitura pessoal é muito importante a leitura comunitária, porque o sujeito vivo da Sagrada Escritura é o Povo de Deus, é a Igreja.

Esta Escritura não era uma coisa particular de grandes escritores mesmo se o Senhor tem sempre necessidade da pessoa, da sua resposta pessoal mas cresceu com pessoas que estavam comprometidas no caminho do Povo de Deus e assim as suas palavras são expressão deste caminho, desta reciprocidade da chamada de Deus e da resposta humana.

Portanto, o sujeito vive hoje como viveu naquele tempo, por isso a Escritura não pertence ao passado, porque o seu sujeito, o Povo de Deus inspirado pelo próprio Deus, é sempre o mesmo, e portanto a Palavra é sempre viva no sujeito vivo. Então é importante ler a Sagrada Escritura e ouvir a Sagrada Escritura na comunhão da Igreja, isto é, com todas as grandes testemunhas desta Palavra, começando pelos primeiros Padres até aos Santos de hoje, até ao Magistério de hoje”[2].

Vamos explorar – na próxima parte – um pouco mais esta preciosa indicação de “apoios”, de esteios a que deve recorrer o homileta e aos quais o próprio Bento XVI recorreu em suas pregações[3].

[1] Cf. VVAA, Documentos sobre a Bíblia e a sua interpretação. São Paulo, Paulus, 2005.

[2] BENTO XVI, Visita ao Pontifício Seminário Maior por ocasião da Festa de Nossa Senhora da Confiança, 17 de fevereiro de 2007.

[3] Este texto foi escrito precisamente (as três partes que o compõem) para o Homiliário de Bento XVI que organizei no qual o leitor pode encontrar as homilias do Papa Emérito para o ciclo dominical da liturgia da Palavra: Um Caminho de Fé Antigo e Sempre Novo. Pregações Litúrgicas, 4. vol., São Paulo, Molokai, 2017.

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